Hemosc critica ‘PEC do plasma’ que facilitaria venda de sangue no país

A PEC (proposta de emenda à Constituição) 10/2022, conhecida como “PEC do plasma” tem trazido polêmica para a discussão em saúde no Brasil. A proposta sugerida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) tramita no Senado Federal e propõe a liberação do mercado de sangue e hemoderivados no Brasil.

A medida foi criticada pelo presidente do Hemosc (Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina). De acordo com o Dr. Guilherme Genovez, diretor médico da unidade, a venda de sangue humano não deveria ser feita de forma alguma.

“A doação de sangue deve ser voluntária, altruísta e sem qualquer tipo de interesse. O sangue humano por definição não pode ser comercializado de maneira alguma”, opina o médico.

Genovez diz que sua opinião está em conformidade com o que diz a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).

O médico explica ainda que não apenas o sangue é usado para pacientes que precisam, mas outras partes contendo as hemoglobinas, por exemplo, também são importantes.

As hemoglobinas são proteínas encontradas nos glóbulos vermelhos (também conhecidos como eritrócitos) do sangue de seres humanos.

“Cada doação de sangue produz três hemocomponentes que são: o concentrado de hemácia, concentrado de plaquetas, e o plasma humano. O plasma humano é o que é menos utilizado de um ponto de vista clínico, mas usamos em situações de hemorragias graves”, explica.

O diretor diz ainda que quando o plasma vai para indústrias, por exemplo, são produzidos vários medicamentos. Entre eles, o médico citou a albumina, que é uma proteína presente no plasma que desempenha um papel importante na regulação da pressão osmótica do sangue. Ela é usada para tratar pacientes com desidratação grave, queimaduras, cirrose hepática e síndrome nefrótica, entre outras condições.

“Acabaria com o sentido”

Para o profissional, a venda de plasma humano poderia mudar o sentido da doação de sangue.

“As pessoas vão ser motivadas a fazer a doação de plasma pelo dinheiro e não pelo ato altruísta. Isso tem desdobramentos também sanitários, porque interessadas em receber o pagamento a pessoa vai esconder ou vai omitir dados importantes sobre a sua saúde”, explica.

Alerta de segregação aos mais pobres

O Conselho de Medicina de São Paulo, por exemplo, disse que tornados monopólios do Estado após a epidemia de aids dos anos 1980 e da constituição do SUS, a doação de sangue humano são importantes para a garantia dos bancos de sangue e produção de insumos de saúde derivados.

O CNS (Conselho Nacional de Saúde), também é contra a proposta.

O impacto e a gravidade caso a proposta seja aprovada é para toda a hemorrede, considera o conselheiro nacional de saúde Eduardo Fróes, representante da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).

“Esta PEC é altamente nociva para toda a política nacional do sangue pois abre um precedente de comercialização de um hemocomponente do sangue, o que nos fará regredir à década de 1970, onde os mais pobres e vulneráveis faziam a doação de sangue em troca de dinheiro. Isso rompe também o ato de altruísmo e empatia que se tem em uma doação de sangue”, alerta o conselheiro.

EUA apresenta riscos

Nos Estados Unidos, por exemplo, a venda de sangue humano é permitida. Mas, há diversos estudos sobre o perigo da prática, especialmente para aqueles que não têm recursos financeiros para comprar sangue. Alguns dos riscos incluem:

  • Desigualdade de acesso à saúde: Aqueles que não podem pagar pelo sangue podem não receber a transfusão de sangue necessária em situações de emergência médica, o que pode colocar suas vidas em perigo.
  • Qualidade do sangue: Em sistemas onde a venda de sangue é permitida, pode haver menos regulamentação e fiscalização da qualidade do sangue vendido, o que aumenta o risco de receber sangue contaminado ou inadequadamente testado.
  • Exploração de doadores: Aqueles que estão dispostos a vender seu sangue podem ser explorados financeiramente, recebendo pagamento insuficiente pelo sangue doado.
  • Comportamentos de risco: Aqueles que enfrentam dificuldades financeiras podem ser mais propensos a se envolver em comportamentos de risco, como a venda de sangue em condições não seguras, o que pode aumentar o risco de transmissão de doenças.

No entanto, mesmo em países onde a venda de sangue é permitida, há regulamentações rigorosas para garantir a segurança do sangue doado. Isso inclui testes de triagem para doenças transmitidas pelo sangue, como HIV, hepatite e sífilis, além de padrões de armazenamento e transporte.

A venda de sangue humano é uma questão ética complexa e controversa, pois pode levantar preocupações sobre a exploração de doadores e a qualidade do sangue doado. Muitos países e organizações internacionais recomendam o uso de sistemas de doação voluntária e não remunerada para minimizar essas preocupações, entre elas a Organização Mundial de Saúde.

O que propõe a PEC do Plasma?

“Artigo 1º O artigo 199 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, bem como coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados para fins de tratamento, sendo vedado todo tipo de comercialização.5º A lei disporá sobre as condições e os requisitos para coleta e processamento de plasma humano pela iniciativa pública e privada para fins de desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos destinados a prover o sistema único de saúde” (NR).

“com a pandemia, a coleta de plasma apresentou queda em nível mundial, inclusive nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa que são os maiores coletores do mundo”, diz o projeto.

A PEC está atualmente em tramitação no Senado e está sendo debatida na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), com a relatoria a cargo de Daniella Ribeiro (PSD-PB). No relatório apresentado pela senadora, não foram identificadas questões de inconstitucionalidade ou injustiça na proposta.

Discussão é antiga

Há várias décadas, o Brasil tem debatido a gestão do plasma sanguíneo excedente que não pode ser totalmente utilizado no país. O plasma é uma matéria-prima crucial na produção de substâncias terapêuticas essenciais, como albumina, imunoglobulinas, concentrados de fatores de coagulação (como fator VIII e fator IX) e cola de fibrina.

Os produtos são fundamentais no tratamento de diversas doenças, incluindo doenças hematológicas autoimunes, cirrose, hemofilia, câncer, AIDS, imunodeficiência genética e queimaduras graves. Além disso, o plasma em si é utilizado no tratamento de pacientes com distúrbios de coagulação, púrpura trombocitopênica trombótica e outras condições médicas.

O Ministério da Saúde do Brasil já identificou essa questão desde o ano 2000 e tomou medidas para abordar esse problema, desenvolvendo um plano para o uso adequado do plasma excedente.

Na prática, o plasma sobrado é direcionado para outras iniciativas no país como investimentos nas indústrias nacionais, por exemplo.