Entrevista
Fernando Comin
Fernando Comin- A partir das experiências anteriores, nós criamos um ato interno que define quem compõe e de que maneira funciona um gabinete de crise no Ministério Público. Entramos em duas frentes de trabalho muito claras. Uma delas é o acompanhamento da política de controle epidemiológico. Buscamos compreender quais eram as estratégias e os fundamentos das ações que o estado estava promovendo. E a outra é como órgão de controle. Nós sabemos esse período de calamidade, de emergência em saúde, faz com que algumas formalidades do processo de contratação pública fossem flexibilizadas. E sabemos que quando há essa flexibilização das compras públicas existem pessoas que tentam se aproveitar das fragilidades. Eu dividiria a atuação nesses dois grandes eixos. Desabastecimento de alimentos, combate a preços abusivos dos produtos, as questões que surgem no sistema penitenciário, em relação reestabelecimento das atividades do setor produtivo, com protocolos claros e transparentes. Em tudo isso o Ministério Público ajudou o estado. E de outro lado as ações envolvendo a fiscalização das compras públicas, os desvios que têm sido verificados, as contratações polêmicas. Eu diria que o Ministério Público nunca teve tanto trabalho como nessa época que enfrentamos agora.
[Pelo Estado] – Como é feito o diálogo com as comarcas, já que as demandas são parecidas em todas as regiões?
Fernando Comin- O promotor tem uma garantia prevista na Constituição que é a independência funcional. Então não há ingerência em relação a sua atuação finalística. Existe uma hierarquia administrativa, mas a atuação do promotor não pode ser dirigida, desde que o faça embasada na lei e de maneira fundamentada. Já no papel da administração central do Ministério Público nós criamos protocolos específicos. Criamos um grupo administrativo, um gabinete de TI, e na área de execução, que atua em contato direto com os promotores no interior, subsidiando com orientações. Os grupos elaboram estudos, pareceres, com propostas de encaminhamentos das questões e os promotores executam na ponta. O que procuramos é gerar uma atuação mais homogênea e focada nos processos mais sensíveis da pandemia, sem interferir na autonomia e independência funcional do promotor. E isso tem gerado resultados positivos.
[Pelo Estado] – Qual é a orientaçao sobre as barreiras sanitárias?
Fernando Comin- Essa foi uma das primeiras questões que surgi e que foi encaminhada pelo gabinete de crise. Os municípios começaram a fechar seus limites, com bloqueios físicos, impedindo as pessoas de ir e vir. O entendimento que o Ministério Público juridicamente adotou é que barreiras sanitárias não se confundem com bloqueios
físicos de vias. As barreiras sanitárias são permitidas, são necessárias, e têm a finalidade de controle sanitário, e não o simples impedimento na liberdade de ir e vir.
Nós recebíamos muitas denúncias de que municípios estavam permitindo a circulação apenas de residentes. Muitas vezes, pessoas que tinham o intuito de visitar familiares, prestar assistência a idosos, estavam sendo impedidos desse direito de ir e vir sem uma fundamentação sanitária. Encaminhamos uma orientação à Fecam (Federação Catarinense dos Municípios) e a partir dessa atuação preventiva a gente orientou os gestores e muitos que estavam agindo por falta de um entendimento jurídico mais consistente compreenderam a diferença. Os que insistiram nessas práticas receberam medidas foram mais firmes.
Fernando Comin- O entendimento do Ministério Público é que as decisões têm que estar embasadas em um modelo epidemiológico. Isso não estava muito claro em um primeiro momento, e foi sendo construído no estado, até que hoje temos um modelo muito claro, que é uma adaptação do modelo do Imperial College, de Londres, que foi adaptado à realidade do nosso estado com a contribuição de técnicos da Saúde e do Social Good Brasil. A liberação de atividades deve partir dos resultados do modelo, que avalia o impacto que essa decisão vai ter na curva de contágio e de quanto vai sobrecarregar o sistema de Saúde. Não temos um parecer em torno da abertura ou não e em que medida se dará essa liberação do transporte. Nós precisamos primeiro avaliar quais são os fatores considerados pelo Estado para viabilizar a retomada dessas atividades à luz do modelo epidemiológico.
[Pelo Estado] – Sobre a Operação Oxigênio, qual prazo para conslusão dos trabalhos?
Fernando Comin- Essa primeira etapa que já foi concluída mostrou as linhas gerais do esquema, mas há uma série de outras medidas que estão em investigação e que nos ajudarão a elucidar ainda mais os tentáculos da organização criminosa em outros estados e instituições. Isso vai exigir alguns dias ainda de trabalho. Estamos empenhados nisso como prioridade máxima da instituição, trabalhando em conjunto com delegados da Deic, que por sua vez tem apoio dos técnicos do Tribunal de Contas. Eu diria que entre 30 e 60 dias a gente já consegue dar uma resposta em relação às denúncias e sobre as ações penais. A análise dos materiais apreendidos ainda não foi concluída e tem muitas informações importantes ali, não só para reafirmar as linhas de investigações que a agente já havia definido com a primeira etapa da operação, mas também para trazer outros fatos