Defensoria Pública Mais que defesa, um braço da Justiça social 

Entrevista João Joffily Coutinho

A Defensoria Pública de Santa Catarina é uma das defensorias mais ‘jovens’ do país e já se destaca por ter triplicado as áreas de atuação com o mesmo número de defensores desde que, em 2016, passou a ser gerenciada por defensores de carreira. Santa Catarina é o terceiro estado com maior déficit de defensores e defensoras no país, mesmo assim, o trabalho executado no Estado tem conseguido cada vez mais chegar na ponta, naqueles que mais precisam.

E em tempos de pandemia, assim como todo serviço público, a Defensoria tem sofrido impactos e demandas específicas. O órgão, que não deixou de atender as demandas cotidianas, tem tido forte atuação também nos casos que envolvem o novo coronavírus, com destaque para atuação em Blumenau, onde ingressou com ações para que o município e shoppings se adequassem às normas sanitárias. Em Joinville o órgão orientou o não retorno das aulas sem estudos técnicos.

Em entrevista à Coluna Pelo Estado, João Joffily Coutinho, conta um pouco sobre como a Defensoria do Estado tem se organizado e atuado diante dessas e  outras situações.
Confira a versão impressa da entrevista:
[Pelo Estado] – O momento é difícil, mas a gente sabe que algumas pessoas estão em situação ainda mais complicada, não é mesmo?

João Joffily Coutinho – Sem sombra de dúvidas. Infelizmente, aquelas que já estavam em vulnerabilidade acabam ficando mais ainda em dificuldade nesse momento. É uma doença que atinge todo mundo, mas o elo mais fraco sempre é atingido primeiro, ou sofre mais. A ferida fica mais exposta ainda.

[Pelo Estado] – A Defensoria virou a chave total com a pandemia, certo? Antes o atendimento era só presencial, não tinha regime de atendimento pela internet?

João Joffily Coutinho – Exatamente. Na realidade a gente já estava em um processo de informatização da instituição, se equipando. A gente ainda não tinha esses mecanismos de atendimento remoto, a não ser por telefone, o e-mail era muito pouco utilizado, a maior parte era as pessoas irem até a unidade da Defensoria Pública e, com isso, fazer aquelas aglomerações. Alguns núcleos atendem, em média, 100 pessoas por dia.

[Pelo Estado] – Isso tem a ver com o perfil das pessoas também. Quem busca a Defensoria é uma pessoa que tem menos recurso, não é?

João Joffily Coutinho – Exatamente. É um pouco o perfil, é também a praxe que se utilizava. A gente prima pelo contato pessoal, infelizmente, hoje, vamos ter que adaptar isso, mas muitas vezes a Defensoria faz um atendimento em que a simples orientação cara a cara, satisfaz e resolve o problema e não necessariamente a gente precisa levar para o lado judicial. As pessoas se sentem muito carentes de serviços públicos e têm a possibilidade de conversar com um profissional e explicar a sua situação, com isso, se sentem resguardadas.

Isso tudo tivemos que mudar. A necessidade do isolamento fez que esse avanço de trabalho remoto chegasse mais cedo na instituição. Foi um grande desafio, porque de uma hora pra outra, a gente teve que colocar mais ou menos 450 pessoas em trabalho remoto e mudar a estrutura de atendimento. Ainda bem que a gente tinha equipamento para isso.

Em um primeiro momento, tivemos que fazer o atendimento de casos urgentes, mas a gente não parou em momento nenhum. Ampliamos os nossos canais de telefone e estamos fazendo uma campanha para a população que usa os serviços da defensoria para que procurem – lógico, aquelas que têm acesso – os primeiros atendimentos de forma digital, por e-mail ou formulários, que a gente também está começando a instituir nos nossos sites para facilitar. A pessoa preenche, encaminha e a gente entra em contato em seguida. Está sendo um grande desafio para a instituição, mas a gente fica aliviado, porque não parou o atendimento.

[Pelo Estado] – Demandas que não eram tão urgentes diminuíram nesse período?

João Joffily Coutinho – Sem sombra de dúvidas, algumas demandas que a gente normalmente recebia, como questões de direito do consumidor – uma quebra de celular – isso acabou caindo. Por outro lado, pessoas que não eram vulneráveis, passaram a ser e, com isso, aumentaram os serviços da Defensoria nesse ponto. Nós atendemos pessoas que têm renda familiar de até três salários mínimos e, de uma hora para outra, quem tinha renda acima disso, deixou de ter. Percebemos que algumas demandas vieram de pessoas que passaram a ser vulneráveis financeiramente.

Uma das inovações que a gente fez devido a pandemia foi a criação de um grupo que atua coletivamente, o Grupo de Apoio às Pessoas em Vulnerabilidade, que recebe relatos sobre violações de direitos coletivos. Esse grupo está trabalhando diretamente, por exemplo, em relação à merenda escolar. As crianças recebiam aqueles alimentos que, antes era a parte da renda familiar e pararam. Nós orientamos as prefeituras a continuar fazendo essa distribuição, especificamente em Joinville isso foi feito.

Esse grupo também orientou em relação à população de rua e tem acompanhado para que, neste momento grave, o serviço de forma alguma, deixe de acontecer, até porque, medindo as palavras, já é um serviço precário. No site da Defensoria Pública de Santa Catarina, temos um espaço para que as pessoas que vejam alguma necessidade dessa demanda coletiva possam clicar ali e deixar o relato que esse grupo entra em contato.

[Pelo Estado] – Como foi a atuação em Blumenau, no caso dos shoppings e da prefeitura?

João Joffily Coutinho – Em Blumenau tivemos duas ações de destaque. A equipe atuou nesse caso do shopping e também entrou com uma Ação Civil Pública para que a prefeitura demonstrasse um protocolo clínico para atendimento dos pacientes com covid-19. Também nos foi dada uma liminar nesse sentido, porque estavam chegando relatos de que a prefeitura não estava preparando os seus agentes de saúde para atender a população. A Defensoria Pública teve que ir além da sua ação cotidiana. Nesse período, os defensores fizeram mais de 33 mil movimentações judiciais. O Judiciário não parou, ele continua, inclusive  o Judiciário catarinense teve até um aumento no índice de produtividade e a Defensoria, que é uma das peças do sistema, tem que acompanhar.

[Pelo Estado] – Mais que oferecer opções de defesa, a Defensoria também funciona como um órgão de controle. Como é esse trabalho?

João Joffily Coutinho – Sem dúvidas, o principal diferencial da Defensoria Dativa que tinha aqui, é que a Defensoria Pública para além dessa atuação individual perante o Judiciário, ela tem uma missão constitucional de lutar pelas políticas públicas. A Defensoria Pública tem hoje uma centena de leis que botam a gente como órgão na execução penal, trabalhar diretamente com políticas dentro do município ou do estado que a gente tem que participar, visando a garantia dos direitos dessa população.

Uma das nossas maiores forças é o trabalho com a sociedade civil organizada. Aqui em Santa Catarina isso é notório, tanto que foi um movimento da sociedade civil que pleiteou a criação da Defensoria. Somos umas das mais recentes do país, depois de SC veio a do Amapá.

A gente pretende implantar ouvidoria realmente externa, ou seja, o ouvidor não é dos quadros da Defensoria. A sociedade civil faz uma eleição, escolhe o ouvidor, apresenta uma lista com três nomes e o conselho superior faz a nomeação. O foco hoje é que o primeiro contato deve ser ou pelo site, ou por telefone, porque esse é outro desafio. Mais cedo ou mais tarde a vida vai voltar e acho que a Defensoria nunca mais vai poder voltar aos moldes de anteriormente, com a fila de espera na frente da Defensoria.