Projeto de lei de deputado federal catarinense cria polêmica: vai proteger ou vai ameaçar a fauna silvestre brasileira?

 

Você se lembra do filme de animação Rio, que conta as aventuras de uma Ararinha-Azul? Pois fora das telas as Ararinhas-Azuis típicas da fauna brasileira já são consideradas extintas. Para evitar que o mesmo aconteça com outras espécies, o Ministério Público (MP-SC) está atento a um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados. A preocupação é com o teor distorcido da proposta. É que, ao ser apresentado como uma política de conservação da fauna, na verdade induz a práticas que podem levar a maus-tratos e coloca em risco de extinção os animais silvestres no Brasil, na interpretação do MP-SC.

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Como parte da Mobilização Nacional de Defesa e Proteção da Fauna, encampada pelo Grupo Especial de Defesa dos Direitos dos Animais (Gedda), coordenado pelo MPSC, nesta quinta-feira (21), a partir das 18h30min, será realizada uma mesa-redonda na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Florianópolis, para tratar do assunto e encaminhar as medidas cabíveis.

Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli | Foto: MPSC

A mobilização pretende mostrar à sociedade a importância de proteger os animais silvestres e de dizer “não” à caça aos animais. “Esse projeto afronta o princípio da vedação do retrocesso socioambiental, implícito na Constituição Federal”, afirma o presidente do Gedda, promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli.

Por que o MPSC está envolvido no movimento?

O Projeto de Lei nº 6.268/2016 tem como autor o deputado federal catarinense Valdir Colatto (MDB). Apresentado na Câmara dos Deputados em outubro de 2016, se aprovado o PL implicará na revogação da Lei nº 5.197/1967 – dispõe sobre a proteção à fauna e trata da caça profissional e amadora de animais silvestres no país. Para o MP-SC, o projeto do parlamentar do MDB-SC autoriza a caça até mesmo em unidades de conservação ambiental, com uso de armas, e retira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o porte de arma.

Roberto Cabral Borges | Foto: Agência Câmara

A indignação dos que são contra a aprovação do projeto de Colatto é grande. “Essa proposta é inominável, um desastre ambiental”, comenta o chefe de fiscalizações do Ibama de Brasília, Roberto Cabral Borges, um dos participantes confirmados da mesa-redonda. “Enquanto o Ibama contará apenas com binóculos, os caçadores estarão armados e com o respaldo da lei”, justifica.

O chefe de fiscalizações do Ibama também demonstra preocupação com a destinação que o projeto dá aos animais silvestres apreendidos: cativeiros ou abate. Atualmente, a destinação é a soltura no habitat. “Estabelece-se assim um dilema moral difícil de ser resolvido por um agente ambiental. Quer dizer que, se eu souber de um animal que está sofrendo maus-tratos em um ambiente doméstico e apreendê-lo, ele poderá será destinado a um local ainda pior. Em cativeiro, pode ser maltratado ainda mais”, pondera.

Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Vânia Tuglio | Foto: MPSP

Para a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Vânia Tuglio, outra debatedora do evento, há ainda a preocupação com a mudança da natureza jurídica dos animais silvestres que o projeto propõe. “Hoje, eles (os animais) são bens do Estado, estão sob sua tutela. Esse projeto de lei diz que os animais não pertencem a ninguém, ou seja, quando você tira a proteção do Estado de sobre esses animais, a legislação permite que sejam apreendidos e mortos a qualquer momento, por qualquer pessoa, em qualquer circunstância”, critica.

Vânia comenta que a proposta não deixa claro que armas e armadilhas poderão ser utilizadas. “O risco maior é que nós já temos, hoje, um aumento de 75% de espécies animais em extinção. O Brasil vem perdendo espécies, sistematicamente. Nosso bioma, embora seja muito biodiverso, é extremamente frágil, porque nós temos uma quantidade muito pequena de espécimes por espécie”, complementa.

 

A defesa da proposta

Deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC) | Foto: Agência Câmara

Para o deputado Valdir Colatto, autor da proposta, a distorção da matéria ocorre ao atrelar o seu teor essencialmente à liberação da caça, “o que não procede”. Segundo informou, o PL nº 6.268/2016 foi recentemente objeto de análise pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, órgão técnico e apartidário, que emitiu nota técnica na qual fica evidente que eventual aprovação (e consequente revogação da atual Lei de Proteção à Fauna) não liberará indiscriminadamente a prática da caça. “Permaneceria a vedação como regra geral, com casos específicos sujeitos à prévia aprovação do Poder Público. O que o projeto de fato almeja é criar uma Política Nacional da Fauna, com definição de princípios e diretrizes para a conservação da fauna silvestre no Brasil”, reforça.

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Colatto vai além: “Dizer que a caça será liberada indiscriminadamente é o mesmo que questionar diretamente a credibilidade e honestidade dos órgãos ambientais brasileiros, já que somente com uma licença ou autorização da autoridade competente poderá realizar-se o abate, caça, captura, coleta, etc.” Ele argumenta que o PL apresenta princípios e conceitos, trata de manejo in situ e ex situ, aborda a necessidade de proteção de espécies ameaçadas de extinção, define os casos em que poderá haver eutanásia ou abate de animais silvestres, trata da questão do material zoológico, dá regras para o transporte, exportação e importação de animais da fauna silvestre e suas partes, produtos ou subprodutos e tipifica algumas infrações penais e administrativas contra a fauna silvestre. “Trazer essas regras ao patamar de lei ordinária deveria ser visto como uma oportunidade de aprimoramento e fortalecimento da gestão ambiental nesses aspectos”, observou.

O parlamentar revelou que muitos dispositivos criticados no projeto de lei há anos fazem parte de normativos infra-legais, como instruções normativas, por exemplo. Mas poucos sabem disso. Assim, sua proposta traria “um avanço da legislação ambiental referente à fauna silvestre, elevando ao patamar de lei ordinária assuntos hoje previstos em sua maioria em atos emitidos pelo poder executivo, muitos deles sem qualquer participação social nos debates”.

Colatto fez um apelo às partes envolvidas e afirmou que “é chegado o momento de trazer luz a essa temática, de forma transparente e técnica, para que se possa construir o melhor texto para proteção da biodiversidade”. E afirmou que o Parlamento permanecerá aberto para receber opiniões e críticas construtivas, “que certamente contribuirão com o processo legislativo de forma positiva e democrática”.

“A arte de caçar com cães”

Deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara

O projeto de lei prevê também a prática de reservas cinegéticas. Segundo o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS), o termo “cinegética” se refere à “arte de caçar com cães”. “É um termo arcaico que, adjetivando a palavra ‘reserva’, procura ser mais simpático que fazenda de caça”, ressalta. Pela proposta, o empréstimo, a doação ou a troca de material zoológico dentro do país não precisam de autorização dos órgãos ambientais.

Com parecer contrário do relator na CMADS, o projeto voltou para a Comissão de Meio Ambiente por solicitação do deputado Augusto Carvalho (SD-DF) e na última quarta-feira (13/6) foi retirado da pauta. Em comum acordo entre o relator e o autor da proposta, o projeto de lei passará por uma audiência pública, em Brasília, que deve ser realizada até o final deste mês de junho. Somente após a audiência o projeto voltará a tramitar.

“Parece uma coisa de séculos passados e que, ainda por cima, vai contra tudo que a população tem pedido”, avalia Tatto. Para ele, o projeto de lei ultrapassa as questões ambientais e pode agir no aumento direto da violência no campo. “O texto flexibiliza a legislação de porte de arma para caçadores, e isso tem consequências não só na fauna, mas também no aumento da violência no campo por questões fundiárias. É inconcebível que um projeto de lei permita o aumento da violência nesse meio que já carece de segurança”, afirma.

Representatividade

A mesa-redonda será composta pelo presidente do Gedda e coordenador do Centro de Apoio do Meio Ambiente (CME) do MPSC, promotor Paulo Antonio Locatelli; pela promotora de Justiça do MP-SP Vânia Tuglio, uma das principais defensoras dos direitos dos animais do país; deputado federal Nilto Tatto, relator do projeto de lei na CMADS; deputada estadual Ana Paula Lima (PT-SC); deputada estadual do Rio Grande do Sul Regina Becker Fortunati (PTB-RS); chefe de Fiscalizações do Ibama, Roberto Cabral Borges; e pelos integrantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Rogério Cunha de Paula (Rio de Janeiro) e Marcelo Marcelino de Oliveira (Brasília).

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