Como segundo mandato de Trump nos EUA pode impactar economia de SC e política brasileira

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e o segundo mandato do bilionário à frente da Casa Branca deve provocar impactos na economia e na política internacional, com reflexos até mesmo em indústrias catarinenses.

As eleições nos EUA eram consideradas importantes para a economia de SC sobretudo pelas possíveis consequências na política de importação norte-americana, um dos assuntos debatidos ao longo da campanha entre Trump e Kamala Harris.

Há possíveis reflexos previstos em pelo menos três aspectos, com desdobramentos no comércio exterior catarinense, na taxa de juros do país e no campo político, com um fortalecimento da extrema direita. Confira abaixo:

Comércio exterior e exportações de SC

A plataforma de Trump para o segundo governo tem como uma das principais medidas a criação de uma tarifa de 10% a 20% sobre produtos importados. A medida protecionista é vista pelo republicano como forma de proteger empresas e empregos norte-americanos. O alvo principal é a invasão de produtos chineses, mas, se implantada, a medida deve trazer reflexos globais, incluindo SSC.

O economista-chefe da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Pablo Bittencourt, afirma que caso o aumento tarifário seja generalizado a todos os países, alguns produtos de SC que concorram diretamente com itens norte-americanos poderiam sofrer. A tendência de fechamento maior do mercado norte-americano a produtos estrangeiros foi anunciada abertamente por Trump.

Apesar disso, afirma que a estratégia de tarifa sobre importações pode ter taxação maior sobre produtos chineses vendidos aos EUA, o que permitiria oportunidades às exportações de origens brasileira e catarinense.

— Essas medidas devem ser intensificadas e abrir novas oportunidades para o Estado de Santa Catarina, valorizando produtos já exportados e incentivando a diversificação produtiva, para competir em mercados atualmente atendidos pela China — avalia.

O economista cita como exemplo um caso do primeiro governo Trump, em que o republicano aumentou em 25% as tarifas sobre motores, geradores, transformadores elétricos e componentes conexos. Isso fez diminuir a dependência da China nas importações para os EUA e beneficiou países como México, Alemanha e Brasil.

— Santa Catarina, em particular, foi beneficiada por sua já reconhecida competência exportadora nesses produtos — avalia.

A chance de mais espaço para produtos catarinenses é vista também em caso de eventuais medidas de retaliação da China, com aumento de tarifas de importação a produtos dos Estados Unidos. Nesse caso, setores como a agroindústria catarinense poderiam se beneficiar, já que teriam preços mais competitivos do que os norte-americanos importados e sujeitos a tarifas mais altas no mercado chinês.

— Essa intensificação da guerra comercial também é esperada, como consequência do provável aumento tarifário no próximo governo Trump — projeta Bittencourt.

Fiesc vê oportunidades e escolha “alinhada” com visão de SC

A Fiesc divulgou uma nota na manhã desta quarta-feira confirmando o cenário de que a política de taxar importações poderia abrir oportunidades a indústrias de SC, tanto nos EUA quanto no mercado chinês. O presidente em exercício da entidade, Gilberto Seleme, disse ainda que o perfil do novo presidente norte-americano está “alinhada” com a visão dos empresários catarinenses.

“A volta à Casa Branca de um empresário e, por consequência, de um presidente que acredita na livre iniciativa, está alinhada com a visão dos industriais de Santa Catarina”, afirmou Seleme, na nota.

Segundo a entidade, a possibilidade de que os Estados Unidos procurem outros países para instalar fábricas em vez da China, e também que no sentido inverso a China busque outros países para fabricar itens a serem vendidos aos EUA sem as mesmas sanções, forma outro cenário que pode representar oportunidades de negócios para a economia brasileira.

A nota da Fiesc destaca ainda que em 2024 os Estados Unidos ganharam espaço em relação à China e assumiram a liderança isolada como destino das exportações catarinenses. De janeiro a setembro deste ano, os 20 principais produtos de Santa Catarina exportados para os EUA somaram US$ 1,3 bilhão. O ranking é liderado por obras de carpintaria para construções, seguidas por motores elétricos e partes de motor.

Taxa de juros e dólar com Trump

As expectativas sobre os reflexos da vitória de Trump na questão de atração de investimentos permanecem as mesmas de antes da eleição nos EUA. Caso a nova gestão do bilionário republicano resulte em inflação nos EUA (que poderia ser decorrente de aumento nos gastos públicos ou de aumento dos preços causados pela taxação de produtos importados), o resultado poderia ser uma taxa de juros mais alta nos Estados Unidos. Por consequência, o Brasil também precisaria manter os juros elevados, para evitar um grande fluxo de investidores que optem por aportar recursos nos Estados Unidos em detrimento ao Brasil.

A cotação do dólar no Brasil, que já experimentou uma disparada nesta quarta-feira após a confirmação da vitória de Trump, chegando a até R$ 5,87, o segundo maior valor da história, é outro aspecto que pode causar reflexos na economia catarinense e brasileira na nova gestão de Trump nos EUA.

O professor de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Daniel Corrêa da Silva, chama a atenção para o fato de que os Estados Unidos já vinham, mesmo sob Biden, atuando à margem do sistema tradicional de multilateralismo entre os países. Segundo ele, foi assim, por exemplo, nas ações de retaliação à Rússia por conta da guerra contra a Ucrânia, que ocorreram em um grupo de países à margem da Organização Mundial do Comércio (OMC), e também na atuação do país no conflito em Gaza, onde apelos da Assembleia Geral da ONU não ganharam adesão na prática.

De acordo com o especialista, o cenário mostra que já havia evidências de que o arranjo internacional montado após a Segunda Guerra Mundial, que retroalimentava o poder dos Estados Unidos, vinha se tornando incompatível com a realidade atual.

— Sob um novo governo Trump este cenário deve se acentuar. Simultânea e inusitadamente, países como a China e sua frente oriental saem fortalecidos, pois se apresentam como o novo polo capaz de promover estabilidade e segurança nas Relações Internacionais — avalia.

Na política, fortalecimento da extrema direita

A vitória de Trump também deve ter reflexos na política brasileira. A principal consequência é o fortalecimento de figuras da extrema direita na América Latina. É o caso de nomes como o presidente da Argentina, Javier Milei, e do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro — ambos já publicaram mensagens de felicitações a Trump após a vitória desta quarta-feira.

A doutora em Ciência Política e professora de Relações Internacionais da UFSC, Clarissa Dri, avalia que a eleição de Trump representa uma ameaça à estabilidade democrática no continente. Segundo ela, governos de países como Brasil, Colômbia, Chile e Uruguai podem ter dificuldades na governabilidade e na política externa em caso de uma aliança formal de Trump com a Argentina de Milei.

— Temos um grande risco para as democracias na América Latina com um governo Trump possivelmente mais forte do que o primeiro. Há risco de interferência nas políticas domésticas na América Latina para favorecimento de grupos aliados ao governo Trump — projeta Clarissa, que cita também situações como a da Venezuela como temas mais sensíveis ao Brasil com Trump no comando da Casa Branca.

Outro reflexo deve ocorrer na área ambiental. De linha negacionista climática, Trump não deve fortalecer discussões sobre o clima, área por meio da qual o Brasil tenta recuperar o protagonismo internacional. A próxima conferência do clima (COP 30) ocorrerá em Belém (PA), no Brasil, já sob a gestão Trump.