Respiradores: ex-secretários, empresários e servidores são denunciados

O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) denunciou 14 pessoas por participação no caso dos 200 respiradores adquiridos ao custo de R$ 33 milhões pelo governo de Santa Catarina em 2020 – e que nunca foram entregues. Dentre os réus da estão ex-secretários, empresários servidores e advogados.

A perda dos direitos políticos ou de contrato/recebimento de benefícios do poder público, além de multa de R$ 33 milhões, estão entre as penalidades propostas pelos promotores Andrey Cunha Amorim, Maurício de Oliveira Medina, Marina Modesto Rabelo, Isabela Ramos Philippi e Lara Peplau. O ND+ teve acesso à ação na íntegra.

O Ministério Público divide as denúncias entre núcleo público, formado por servidores da SES (Secretaria Estadual da Saúde) e da Casa Civil; e denunciados do setor privado: nomes ligados ao Grupo Veigamed e responsáveis por intermediar os esquemas.

A denúncia em decorrência da investigação do caso dos respiradores foi aceita pela 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, passando a tramitar nesta terça-feira (18). O juiz responsável é Laudenir Fernando Petroncini.

Denúncia afeta ex-secretários e servidores da SES

Dois ex-secretários de Saúde, André Motta e Helton Zeferino, o ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, e os servidores Carlos Charlie, Carlos Roberto e Márcia Pauli integram a lista de denunciados do núcleo público.

Os cinco promotores pleiteiam que estes réus percam a função pública e tenham suspensos os direitos políticos em até 12 anos – Motta concorreu ao cargo de deputado estadual nas últimas eleições.

Para o MP, eles devem ainda pagar multa equivalente em R$ 33 milhões, semelhante ao valor pago pelo Estado para a compra dos respiradores fraudulentos.

Membros da Veigamed e facilitadores

O núcleo privado é formado por integrantes da Veigamed ou facilitadores do esquema: Davi Perini Vermelho (proprietário da Veigamed), Fabio Dambrosio Guasti (representante), Pedro Nascimento de Araújo (procurador da empresa), Cesar Augustus Martinez Thomaz Braga (diretor-jurídico) e Samuel Rodovalho (empresário).

Também estão entre os denunciados os advogados Leandro de Barros, Jose Edson da Sousa e Mauricio Miranda de Mello – os dois últimos teriam apresentado orçamentos falsos, “cientes de que estavam ajudando a Veigamed a ser contratada”, destaca o MP.

O órgão pleiteia suspensão dos direitos políticos em até 12 anos, pagamento de multa equivalente ao valor do dano (R$ 33 milhões) e “proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente […] [por até] 12 anos”.

Os promotores pedem, por fim, que todos os réus sejam condenados ao pagamento de dano moral coletivo e social que, somados, representam outros R$ 33 milhões.

O que diz as defesas dos réus

André Motta – A defesa afirma que André Motta Ribeiro “não tem conhecimento do teor da ação civil pública”. “Quando ele puder acessar o processo, e se inteirar do conteúdo e das acusações contra si, ele estará apto a prestar esclarecimentos”, afirma.

Carlos Maia – ex-servidor (diretor de licitações e contratos da Secretaria de Estado da Saúde) – o advogado Noel Baratieri, diz que “para o Carlos Maia, a ação civil pública é descabida em relação à sua pessoa. Ele não praticou ato doloso em relação à compra dos respiradores. Ele agiu de boa-fé. Foi vítima da ação de criminosos assim como o erário estadual. Sempre estará à disposição das autoridades estaduais para que o Estado seja ressarcido dessa triste tragédia”.

Carlos Roberto Costa Júnior  – O réu informou que “não tem ciência do teor da acusação”. Ele manifesta que “quando for devidamente notificado, depois da análise da defesa, essa fará uma manifestação”.

Zeferino – O advogado Mauricio Natal Spilere, defesa de Helton de Souza Zeferino, afirma que “vai analisar os fatos imputados”. “Entende desde logo que não tem nenhuma irregularidade na atuação de Zeferino como secretário”.

Pauli – A defesa de Márcia Regina Geremias Pauli declarou que a ré “desconhecia a existência de pedido do Ministério Público”. Segundo ele, Márcia ainda não foi notificada, mas deve se manifestar na semana que vem.

Leandro de Barros – A defesa de Leandro Adriano de Barros manifesta que “uma vez celebrado acordo com o Ministério Público, que culminou no arquivamento e exclusão do Sr. Leandro da ação penal, a defesa aguarda notificação oficial para apresentação dos devidos esclarecimentos, confiante que todos os fatos serão elucidados e, assim como ocorreu na esfera criminal, também obterá sua exclusão deste processo”.

Douglas Borba – A defesa do réu, o advogado Giancarlo Castelan, declara que “não teve acesso ao processo e assim que tiver conhecimento oficial, adotará as providências necessárias”.

A defesa ainda afirma que “Douglas não exerceu qualquer ingerência ou influência nas decisões tomadas na Secretaria de Estado da Saúde, por seus dirigentes e servidores, muito menos teve conhecimento, manteve qualquer contato, fez indicação/direcionamento ou avalizou empresas, empresários ou profissionais que tenham participado do processo de compra dos respiradores”.

Por fim, aponta que “a nova demanda proposta pelo MPSC será mais uma oportunidade de comprovar a inocência de meu cliente”.

A reportagem também procurou as defesas de Cesar Augustus Martinez Thomaz Braga, Davi Perini Vermelho, Fábio Deambrosio Guasti, José Edson da Silva, Maurício Miranda de Mello, Pedro Nascimento Araújo e Samuel De Brito Rodovalho, que não foram encontrados.

Estado atua na recuperação dos valores desde 2020, aponta PGE

Em nota, a PGE (Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina) expressa “total apoio ao trabalho que vem sendo realizado também por aquele órgão autônomo no sentido de recuperar os recursos a fim de que eles possam ser utilizados na implementação de políticas públicas para os catarinenses”.

Ainda reforça que “já atua na recuperação dos R$ 33 milhões desde 30 de abril de 2020, por meio de mais de uma ação judicial, tendo obtido o bloqueio de cerca de R$ 20 milhões das contas de pessoas físicas e jurídicas envolvidas com a transação fraudulenta e a recuperação de outros R$ 14,4 milhões – estes, já depositados nas contas do Estado entre agosto e setembro de 2022″.

Por fim, a Procuradoria afirma que “atua para responsabilização de 22 empresas e 13 pessoas físicas a fim de que elas sejam condenadas a devolver os recursos públicos e ao pagamento de danos morais coletivos e danos sociais causados aos catarinenses”.

Relembre o caso

Em abril de 2020, a Secretaria de Estado da Saúde, por meio de um suposto esquema fraudulento, pagou antecipadamente R$ 33 milhões para a aquisição dos 200 respiradores que deveriam ser utilizados em pacientes com Covid-19.

O valor estava acima do praticado pela União e outros Estados e a empresa contratada, Veigamed, não tinha histórico de vendas na área. Até julho do último ano, apenas 50 respiradores chegaram a Santa Catarina. Destes, somente nove estavam aprovados para funcionamento e eram efetivamente usados em hospitais.

Em maio de 2020, a Operação O2 foi deflagrada pela força-tarefa composta pelo MPSC, Polícia Civil e TCE (Tribunal de Contas do Estado). Dividida em duas fases, a operação colheu mais de 50 depoimentos e cumpriu 51 mandados de busca e apreensão e cinco de prisão preventiva.

Um mês depois, em junho de 2020, os autos da investigação foram remetidos para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), que apurou os fatos durante um ano.

O STJ concluiu pela inexistência de indícios de crime ou ato de improbidade administrativa de autoridade de foro privilegiado e devolveu a apuração para a força-tarefa catarinense, que deu continuidade às investigações.

Em maio de 2021, a força-tarefa traça um passo a passo do caminho da pulverização da maior parte do dinheiro. Segundo relatório feito pela Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais) da Polícia Civil, o montante foi diluído em 56 transferências para contas diversas entre os dias 6 a 29 de abril do ano passado, boa parte para empresas ligadas ao setor de comunicação, eventos e marketing.

Em agosto de 2021, 0 MPSC ingressou na Justiça com uma ação penal para punir os envolvidos em uma série de crimes contra a administração pública no caso.

A ação ainda tramita em relação a 13 dos réus na Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis. O 14º réu aceitou acordo de não persecução penal, que já foi cumprido e a ação com relação a ele arquivada.

Em maio de 2023, o Conselho Superior do MPSC homologou a promoção parcial de arquivamento do inquérito civil em relação ao então governador de Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva, após conclusão da não existência de indícios de ato de improbidade da autoridade de foro privilegiado, excluindo o ex-Governador do Estado da responsabilidade pelo prejuízo causado ao Estado.

Assim, a investigação seguiu para análise da 26ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital – que agora ofereceu a ação em relação aos demais envolvidos para ressarcimento do Estado e aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

Por ND+