O procurador-geral da República, Augusto Aras, reiterou, em sustentação oral, o posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) quanto à legalidade de norma que declarou como de posse permanente indígena uma área de 37.108 hectares localizada no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. A área em questão corresponde à Terra Indígena Ibirama LaKlaño, onde vivem os povos Xokleng, Kaingang e Guarani, reconhecida como território tradicional pela Portaria 1.128/2003, do Ministério da Justiça. A TI tornou-se objeto da Ação Cível Originária (ACO) 1.100, que teve o julgamento iniciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (7). A Corte analisará a possível violação dos direitos de residentes não indígenas que vivem em terrenos circundantes à área original do território.
Na sustentação oral, Augusto Aras reafirmou que o ato impugnado é válido ao passo que está amparado em minucioso estudo antropológico, vocacionado à compreensão dos costumes, crenças e organização social dos povos originários. Tal estudo foi capaz de atestar a tradicionalidade da ocupação indígena nas terras em disputa. “A essencialidade da terra para os indígenas relaciona-se estritamente com aspectos culturais identitários. A terra não é apenas o local da habitação, mas a soma dos espaços de habitação, de atividade produtiva, de preservação ambiental e para a reprodução física e cultural do grupo”, destacou o PGR.
À luz do artigo 231 da Constituição Federal, o procurador-geral avaliou que a Corte Suprema costuma conferir extrema importância a esse relatório antropológico circunstanciado de delimitação de terras indígenas, que, no caso em questão, atestou a tradicionalidade da ocupação do perímetro em debate. O trabalho, segundo ele, destacou de forma minuciosa a história dos povos indígenas daquela região, assim como detalhou o processo de expropriação sofrido durante anos, associado à resistência desses povos originários diante das ofensivas de particulares.
Marco temporal – Na sustentação, Aras citou o julgamento da Petição 3.388, caso que ficou conhecido como Raposa Serra do Sol, e que definiu o “marco temporal” e parâmetros para a demarcação dos territórios indígenas brasileiros. Segundo ele, a tese do “marco temporal” deve ser afastada diante da existência do chamado “esbulho renitente”, que impossibilitou a presença de indígenas em territórios tradicionais na data de 5 de outubro de 1988 diante da expulsão por particulares em disputas possessórias e conflitos agrários.
Caracterizado como a tentativa de expropriação dos territórios tradicionais a partir desses conflitos, o esbulho tem balizado a jurisprudência do STF na análise de ações semelhantes, de acordo com Augusto Aras. Na avaliação dele, a jurisprudência da Corte tem evitado a condução aos extremos, exercendo a função de identificar as terras indígenas inspirando-se em dois valores constitucionais: a segurança jurídica e a proteção aos interesses legítimos dos indígenas. Dessa forma, comprovado o esbulho renitente, “não haveria mesmo como exigir a ideia de marco temporal”.
Para o procurador-geral, a confirmação das tentativas de expropriação territorial no caso concreto restou esclarecida no relatório antropológico que balizou a Portaria 1.128/2003, do Ministério da Justiça, o que afasta a hipótese de não caracterização das terras como originalmente indígenas. “Haverá casos em que mesmo não havendo posse por parte dos indígenas em outubro de 1988, a terra poderá ser considerada como tradicionalmente ocupada por eles. Está aí a importância de se exigir o renitente esbulho como exceção ao marco temporal, como tem feito essa Corte e, que penso, há de ser mantida”, opinou.