Em Florianópolis, funcionários de um dos escritórios da Embracon, administradora de condomínios de São Paulo, afirmam que foram obrigados a trabalhar infectados com a covid-19, mesmo com atestado médico. Agora, eles denunciam a omissão da Vigilância em Saúde da Capital no caso. Um dos colaboradores diz que foi perseguido, após contestar o posicionamento da empresa.
A Vigilância em Saúde informou, em um primeiro momento, que não havia denúncias contra a Embracon. No entanto, a reportagem teve acesso aos protocolos das denúncias, o que fez o órgão mudar sua resposta.
O histórico de infecção na empresa
No final de julho, os funcionários da agência da administradora de condomínios, localizada na avenida Beira-Mar Norte, no Centro da Capital, começaram a sentir os primeiros sintomas da covid-19. O primeiro confirmado foi um dos gerentes de relacionamento, que trabalhou por dois dias com os sintomas até ser afastado. Na sequência, outros funcionários também foram contaminados. No entanto, mesmo de atestado, eles seguiram trabalhando de casa.
“Nos obrigaram a escrever uma carta de punho próprio, abrindo mão do atestado. Eu tive sintomas fortes e, mesmo assim, era obrigado a fazer atendimentos”, relatou um dos ouvidos pela reportagem.
A empresa, então, decidiu adotar o regime de home office, com algumas pessoas apenas indo presencialmente ao local de trabalho em sistema de rodízio. Neste momento, começaram as denúncias no “Covidômetro” da Prefeitura de Florianópolis.
As denúncias
Segundo um dos entrevistados, foram oito denúncias, das quais a reportagem teve acesso ao protocolo de três delas. Nos registros, os trabalhadores denunciaram a condição de terem que continuar trabalhando mesmo infectados e também sobre a falta de adoção de protocolos de segurança para os que tinham que ir presencialmente na agência.
“A vigilância nunca atendeu as denúncias e chegou a cobrar que fossem informados os nomes dos funcionários, o que não fizemos com medo de represálias”, contou o entrevistado. Após as denúncias, eles contam que a direção da empresa mudou o tratamento com eles, fazendo ameaças de demissões e que, em todo esse período, a Vigilância não esteve no local.
No início de setembro, a empresa determinou o fim do regime de home office e todos voltaram a trabalhar, presencialmente, no mesmo ambiente. Apesar de a maioria ter sido infectada, os funcionários passaram a questionar a falta de atendimento aos protocolos de segurança e fato e que não era exigido uso de máscara nas dependências da empresa.
“Eles achavam que, pelo fato de já termos tido a doença, não precisaríamos de cuidado”, afirmou o trabalhador que pediu para não ser identificado.
Após os questionamentos, as ameaças de demissão se tornaram mais frequentes e um funcionário, que foi infectado e chegou a trabalhar mesmo de atestado, acabou demitido, após o término do período de experiência.
“Eu entrei na empresa em junho e, em julho, estava com coronavírus e trabalhando de casa, mesmo doente”, disse.
Diretora da Vigilância se contradiz
O primeiro contato da reportagem com a assessoria de imprensa do município ocorreu em 4 de setembro. Naquela data, a Vigilância em Saúde negou a existência de denúncias contra a Embracon, segundo consta na nota enviada:
“A Prefeitura de Florianópolis, por meio da Vigilância Sanitária informa que não recebeu nenhuma denúncia sobre a empresa Embracon. Todas as denúncias devem ser feitas no site “covidômetro” na aba denúncias Vigilância Sanitária”.
O município mudou de versão após encaminharmos protocolo de uma das denúncias questionando qual foi o encaminhamento dado àquele caso. A denúncia acabou sendo deferida, com aplicação de multa à empresa.
Por telefone, a diretora da Vigilância em Saúde do município, Priscila Valler dos Santos, disse que o órgão não tinha encontrado nenhuma denúncia porque o nome da empresa não constava nas reclamações dos funcionários.
“A denúncia continha apenas o endereço, mas depois que nos foi passado o protocolo verificamos que já havia uma atuação, inclusive com aplicação de multa”, afirmou a diretora.
No entanto, nos documentos em que a reportagem teve acesso, constam nas denúncias tanto o nome como o endereço da empresa, contradizendo a afirmação da diretora Priscila Valler.
Questionada se a aplicação da multa ocorreu antes ou após o contato da imprensa, a diretora não soube responder, mas disse que, “independente do questionamento”, o caso era acompanhado desde maio. “Já vínhamos acompanhando a situação, a empresa foi notificada a cumprir todos os protocolos de segurança. Um processo administrativo foi instaurado ainda em maio, e em momento algum houve omissão por parte da Vigilância em Saúde”, disse sem saber responder porque o órgão informou que não havia denúncia contra a empresa, mesmo com processo administrativo instaurado desde maio.
Nesta terça, 15, fiscais da Vigilância estiveram no local pela primeira vez, segundo os funcionários.
A reportagem tenta contato com a empresa desde a semana passada. Nesta terça-feira, 15, uma das diretoras da Embracon, Karina Longhi, chegou a atender aos telefonemas, mas disse que não poderia responder aos questionamentos. Ela também disse que não saberia informar se a agência recebeu visita dos técnicos da Vigilância.
A reportagem aguarda manifestação da empresa sobre os fatos narrados.