01/07/2019
O presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Mario Cezar de Aguiar, é antes de tudo um entusiasta. Especialmente em relação ao próprio estado, que destaca como diferente do restante do país.
Ao final dessa entrevista exclusiva concedida aos veículos impressos e digitais da rede formada pela ADI-SC e pela Adjori-SC, que abrange mais de 80% dos municípios catarinenses, Aguiar teve a palavra livre para manifestar algo que não tivesse sido perguntado. E não perder tempo em reforçar: “O industrial catarinense, está confiante e tem intenção de investir. Isso é medido. Não é uma percepção sem critérios. O nosso estado tem dado respostas positivas para o país, mas precisamos unir as forças para fazer com o governo federal lance um olhar mais apurado para nossas demandas sob forma de investimento”.
O líder industrial é uma das vozes mais ativas em prol de um novo pacto federativo, que distribua com mais justiça os recursos que os estados enviam para a União. Para se ter uma ideia, em 2018 Santa Catarina recebeu de volta, por meio do Fundo de Participação dos Estados, somente 1,2% do total que mandou para Brasília na forma de tributos.
Sempre digo que não é só uma questão de justiça,
mas de inteligência investir em Santa Catarina.
ADI-SC/Adjori-SC – Como o setor industrial avalia o primeiro semestre do ano?
Mário Cezar de Aguiar – Vou começar falando sobre o Brasil. Havia uma grande expectativa com a eleição do novo governo. Estava extremamente elevada desde que nós medimos o índice de confiança do empresariado e foi, se não a mais alta, uma das mais altas. Mas, em função da ausência de uma solução efetiva das reformas, que se imaginava que seriam logo implementadas, a confiança foi diminuindo. O setor produtivo como um todo esperava que a reforma da Previdência passasse rapidamente e até hoje não foi aprovada. A reforma tributária também frustrou a expectativa.
Ainda assim, o índice de confiança ainda é positivo, acima dos 50 pontos.
Mas a redução fez com que os investimentos diminuíssem.
ADI/Adjori – Além das reformas, que outros indicativos levaram ao recuo nos planos de investimentos?
Aguiar – Havia uma previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, mas o mercado já rebaixou a projeção por 17 vezes e hoje está em 0,87%. O governo também já reduziu a expectativa de crescimento por três vezes. (Obs.: na sexta-feira, 27, o Banco Central do Brasil emitiu comunicado baixando para 0,8% a projeção do PIB para 2019. Especificamente no caso da indústria, a estimativa foi de estimativa passou de 1,8% para 0,2%.)
ADI/Adjori – A situação é a mesma em Santa Catarina quanto à confiança do industrial?
Aguiar – Não. Ao contrário do Brasil, Santa Catarina teve indicadores bem mais positivos no primeiro semestre. Somos o segundo estado com maior contratação de pessoas para a indústria, o de menor taxa de desemprego e a nossa economia tem aumentado bem acima da média nacional. O índice de atividade econômica de Santa Catarina até abril estava em 2% e do Brasil estava, na média, em 0,06%. Nossas exportações aumentaram 12,2% de janeiro a maio, contra um decréscimo de 0,9% do país. No caso das importações, em Santa Catarina houve incremento de 12% contra 1,8% da média nacional.
Todos os nossos índices estão acima ou bem acima da média nacional.
Isso nos possibilita dizer que, em relação ao Brasil, a economia catarinense vai muito bem.
ADI/Adjori – O que explica tanta diferença?
Aguiar – São vários fatores. Temos uma indústria mais diversificada, uma economia mais bem distribuída e somos um estado empreendedor. Santa Catarina acaba se destacando no cenário nacional.
ADI/Adjori – O governo federal suprimiu o Ministério da Indústria e fundiu com os setores de Comércio Exterior e Serviços no Ministério da Economia. A indústria sente algum prejuízo com essa mudança?
Aguiar – Haver ou não haver um ministério específico para o setor industrial é mero detalhe. O que tem que haver é uma política federal que incentive a indústria. O setor sempre teve uma participação importante na produção de riquezas, na geração de emprego, na arrecadação de tributos. É fato medido que onde tem indústria, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é elevado. Depois do sistema bancário, a indústria é a que melhor remunera. Então, uma política que fortaleça, incentive e aumente a produção industrial é essencial. Se isso se dá através de um ministério ou de uma secretaria, tanto faz. É lógico que um ministério tem status maior, mais liberdade, mais autonomia. Mas o mais importante é que haja uma política que desenvolva a indústria brasileira, que vem perdendo espaço ao longo dos anos. É um engano pensar que o Brasil só pode ser fornecedor de produtos primários. Temos indústrias capacitadas, protagonistas, líderes mundiais em seus ramos. O povo brasileiro é empreendedor e o país pode ter uma indústria moderna, com muito maior participação na produção de riquezas.
ADI/Adjori – A produção industrial brasileira está em queda. O que fazer para retomar o ciclo de industrialização?
Aguiar – O que nós precisamos, além de uma política industrial, é de mecanismos que possibilitem a competitividade da indústria. Isso passa por uma melhor infraestrutura, precária no Brasil, por uma desburocratização e pela reforma tributária. Hoje nós exportamos impostos. A carga tributária é extremamente elevada. Mas também passa por um processo de capacitação dos nossos industriários, dos nossos gestores e dos nossos trabalhadores, até para nos adaptarmos à nova realidade mundial, de uma indústria muito mais moderna. E nesse aspecto, o Sistema Senai, uma de nossas casas, pode capacitar – e precisa capacitar – os nossos trabalhadores para essa indústria muito mais tecnológica, dotada de sensores, a Indústria 4.0. Só assim teremos a indústria brasileira crescendo e ocupando seu espaço.
Leia aqui o levantamento da Fiesc sobre o período de janeiro a maio de 2019
ADI/Adjori – Enquanto as reformas da Previdência e tributária ainda não foram definidas, a trabalhista passou a valer já há algum tempo. Os resultados são os esperados?
Aguiar – Certamente que deu. Na verdade não foi uma reforma, mas uma modernização das leis trabalhistas, que precisavam ser adequadas. Ela melhorou a relação entre empregadores e empregados, o que é extremamente positivo, houve uma facilitação para a contratação de pessoas… Foram ganhos muito significativos. Sem ela a situação poderia estar pior. Teve reflexo até na Justiça. Havia uma grande quantidade de ações e discussões jurídicas em relação às questões trabalhistas. Isso impactava as relações, tornadas conflituosas, e a própria Justiça do Trabalho.
Hoje as partes envolvidas estão mais próximas, em uma relação mais justa e rápida.
ADI/Adjori – Essas reformas vão animar investimentos do setor privado? E em relação aos investimentos públicos, qual a expectativa?
Aguiar – Tanto nacional quanto internacional. As reformas dão credibilidade e segurança jurídica para o país. Os investidores vão entender que o governo está cumprindo com sua proposta inicial de fazer as reformas necessárias para que o país entre na rota da competitividade. Logicamente que as reformas não vão afetar positivamente só o regime privado, mas também o público. Infelizmente não está contemplado, mas ainda há possibilidade de se incluir estados e municípios na reforma da Previdência. A questão previdenciária é um problema que, em sendo resolvido, haverá recursos para fazer os investimentos necessários.
ADI/Adjori – Como o senhor avalia o cenário político-institucional do país no primeiro semestre do ano?
Aguiar – Acho que o governo federal, talvez até por inexperiência, não teve uma condução tão precisa na relação com o Congresso e houve alguns desencontros. Mas isso vai se resolver agora no segundo semestre e a entendimento com o Congresso deve fluir melhor. Embora os poderes sejam autônomos e independentes, devem exercer o diálogo constantemente para que as soluções fluam com mais celeridade.
ADI/Adjori – Acredita que as dúvidas levantadas contra a Lava Jato possa trazer consequências negativas?
Aguiar – Não vejo que tenha havido nenhuma conturbação. O que está acontecendo é uma especulação.
Mas a Lava Jato foi, e ainda é, um divisor de águas. Foi bom para o país.
ADI/Adjori – Incentivos fiscais. O tema continua na pauta da Fiesc, do setor produtivo, do governo do Estado, da Assembleia. A Fiesc está satisfeita com o que tem sido resolvido?
Aguiar – Num primeiro momento nós fomos surpreendidos com a informação de que haveria corte dos incentivos. Esses benefícios – e não renúncia fiscal – são necessários para dar isonomia aos estados na questão tributária. Há uma guerra fiscal declarada entre os estados e os incentivos nos dão competitividade. Conversamos com o governo, ele se sensibilizou e nós, organizadamente, estamos tratando com os devidos setores do governo para resolver essa questão. Falta muito pouco para ser acertado. Está nos trâmites finais e em bom termo. A própria Assembleia também entende que os incentivos são necessários. Há uma convergência muito boa sobre a necessidade de se manterem os incentivos, fator de competitividade para Santa Catarina.
ADI/Adjori – O senhor tem alguma crítica em relação ao atual governo do Estado? Ou elogio?
Aguiar – ADI/Adjori – Da mesma forma que o federal, o estadual também é um governo novo, sem experiência. Mas está num bom caminho, abrindo espaço para sermos atendidos, vem demonstrando interesse em melhorar a eficiência do Estado, e isso é extremamente interessante. Nós apoiamos todas as ações neste sentido. É preciso que se tenha a clara visão de que é preciso fazer investimentos na infraestrutura, fundamental para melhorar o desempenho de Santa Catarina.
ADI/Adjori – Aproveitando o tema infraestrutura, a Fiesc está lançando um livro sobre essa questão. Pode falar sobre ele?
Aguiar – Santa Catarina, embora seja um estado muito pequeno, tem uma diversidade econômica muito diferente da média brasileira. E, na nossa visão, o governo federal não nos favorece. Por exemplo, a infraestrutura do país está muito voltada para a exportação de produtos primários, notadamente soja e milho, transportados por ferrovia até os portos. Nosso estado não está contemplado nessa conformação. Nós entendemos que temos que ter uma infraestrutura de transporte de cargas que favoreça a entrada de insumos para a nossa indústria ao mesmo tempo em que favoreça a entrega de produtos para distribuição interna e para o mercado externo. E quando nós olhamos o Plano Logístico Nacional verificamos que Santa Catarina ficou de fora, porque não somos um estado produtor de grãos. Temos produtos com valor agregado, que precisam de insumos. Só para você ter uma ideia, o Brasil participa, em média, na corrente internacional de comércio, com 9% do seu PIB.
Em Santa Catarina, mais de 25% do PIB está vinculado à soma da exportação e da importação do estado.
ADI/Adjori – Esse tratamento com Santa Catarina é histórico.
Aguiar – É histórico e ignora que o estado tem vocação para ser uma plataforma logística muito importante para o país. Nós estamos muito próximos do Mercosul, com uma população estimada em 264 milhões de pessoas, nossos portos são eficientes… O que precisa agora é complementar a infraestrutura adequada para levar mercadorias ao porto, também para receber. Implantação de ferrovias, expansão de rodovias, a melhoria do nosso sistema aeroportuário. Agora, felizmente, vamos ter a conclusão do Aeroporto Internacional de Florianópolis, já estão sendo privatizados os aeroportos de Joinville e Navegantes.
ADI/Adjori – Ainda é muito diferente o valor que vai para a União em impostos e o que volta para o Estado. A Fiesc continua lutando para mudar isso?
Aguiar – Isso depende de um novo pacto federativo. Entendemos que somos uma federação e defendemos que tem que ter uma redistribuição da renda, sim, mas de uma maneira mais justa. Uma parte muito maior do que vai deve voltar em forma de investimentos, não como bolsa família. Essa distribuição injusta penaliza os estados produtores. E como Santa Catarina é estado produtor, é sempre penalizado com essa disfunção na distribuição dos recursos federais (Segundo informações da Secretaria de Estado da Fazenda, em 2018 Santa Catarina recebeu de volta, como Fundo de Participação dos Estados (FPE), somente 1,2% do total de tributos que enviou para a União).
ADI/Adjori – O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa?
Aguiar – Só ressaltar que o industrial catarinense, está confiante e tem intenção de investir. Isso é medido. Não é uma percepção sem critérios. O nosso estado tem dado respostas positivas para o país, mas precisamos unir as forças para fazer com o governo federal lance um olhar mais apurado para nossas demandas sob forma de investimento. Sempre digo que não é só uma questão de justiça, mas de inteligência investir em Santa Catarina. Recebendo investimentos, o estado dá respostas muito rápidas e positivas para o desenvolvimento nacional. Posso citar a região do Vale do Itajaí, servida pela BR-470. Aquilo afoga, reprime, inibe o desenvolvimento da região. Com uma rodovia duplicada, que dê fluidez e segurança, a região vai dar um salto de desenvolvimento. Da mesma forma como a conclusão da duplicação do trecho Sul da BR-101 dará um novo fôlego para a região.
Por Andréa Leonora e Murici Balbinot
Fotos de Mario Cezar de Aguiar: Marcos Campos/Fiesc
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