20/05/2019
PeloEstado Entrevista | Jorge Konder Bornhausen
Aos 82 anos, Jorge Bornhausen ainda está em plena atividade profissional. Trabalha em São Paulo como consultor político e conselheiro de algumas empresas, além de atuar com compra e venda de empresas. Também atende no Rio de Janeiro e vai com certa frequência a Brasília. Segundo ele mesmo, uma atividade intensa que lhe dá “o suficiente para viver bem”.
Mesmo sem qualquer ligação partidária, continua sendo procurado por lideranças estaduais e nacionais para análises de conjuntura, opiniões e orientações. É uma espécie de guru, dono de um conhecimento acumulado em diferentes cargos legislativos e executivos, e de uma experiência sobre o Brasil que só se adquire vivendo todas as fases da história recente do país como viveu.
Admirado pelos aliados e respeitado pelos adversários, Bornhausen é fonte habitual para a imprensa. Ele recebeu a reportagem das associações de Diários do Interior (ADI-SC) e dos Jornais do Interior (Adjori-SC) em seu apartamento. Avaliou o governador Carlos Moisés e o presidente Jair Bolsonaro. E decretou: Direita e esquerda não existem. Existem direita radical e esquerda radical. Isso não é bom para o país.
ADI-SC/Adjori-SC – O senhor tem observado o trabalho do governador Moisés? Qual é a sua avaliação?
Jorge Bornhausen – Acho que é muito cedo para fazer uma avaliação sobre o governo. O governador ganhou uma eleição que não esperava, não tinha se preparado para isso. Não conhecia bem o Estado e os seus problemas. Não tinha intimidade com a classe política. E não foi audacioso na composição das suas escolhas para o governo. Fez uma equipe de colegas e amigos. E está aprendendo no curso do mandato. Vai demorar um pouco.
Mas também, diante desse fato, seria uma injustiça fazer uma avaliação com quatro meses e meio de governo sobre os resultados obtidos até agora. Vamos aguardar. Não é uma tarefa fácil. Nós vivemos um momento muito difícil no país. A recuperação só virá realmente se houver a reforma da Previdência. Sem o que, o país vai ficar marcando passo ou retrocedendo novamente.
O cenário não é favorável. Depende do Legislativo nacional. Assim como o governo estadual está procurando manter entendimentos com os parlamentares. Acho que a sua reforma administrativa, sem entrar no mérito, deverá ser aprovada, porque é a maneira que ele escolheu para governar. Não acho que deva se fazer grandes retalhos nesse processo. Vamos ver daqui para frente como este entendimento vai transcorrer.
ADI/Adjori – O senhor fala que o governador Moisés não teve ousadia, mas o que ele poderia ter feito de diferente, uma vez que não veio do meio político?
Jorge Bornhausen – Ele não se elegeu em função de aliança e nem de partidos. Portanto, poderia fazer uma equipe de alto nível técnico, que era o caminho esperado, pelo menos por mim, que nele votei no segundo turno… por exclusão. Acho que a ousadia é procurar conhecer quem sabe mais que você em cada setor e trazer para dentro do governo pessoas que tenham grande experiência e que já sejam conhecidas nacionalmente. Há vários nomes em Santa Catarina, fora da área política, que têm prestígio até internacional. Da área técnica, da área empresarial, da área educacional. Eu achei que ele tomaria esse caminho, mas ele preferiu fazer uma equipe doméstica.
ADI/Adjori – Hoje Santa Catarina se aproxima de outros estados no que diz respeito à dificuldade financeira. Tudo depende do quadro nacional? Não tem nenhum dever de casa que possa ser feito por aqui?
Jorge Bornhausen – Claro que nós temos que contribuir, mas a economia nacional é que conduz o país. Nós vivemos um período longo de recessão e Santa Catarina não parou. Mas teve o governante de então, o ex-governador Raimundo Colombo, a decisão de não aumentar impostos e com isso concorrer de forma favorável com os outros estados que praticaram este tipo de aceno.
ADI/Adjori – E isso ajudou a manter o Estado em atividade…
Jorge Bornhausen – Em atividade e permitindo que a arrecadação pudesse corresponder àquela situação.
ADI/Adjori – No cenário nacional, como avalia o presidente Bolsonaro e seu governo?
Jorge Bornhausen – Eu acho que é um governo diferente. Parecido com a nossa famosa Orquestra Desterrense: muitos músicos e cada um tocando em seu instrumento a música que preferir. Há setores muito bem dirigidos, como o do economista Paulo Guedes. Eu destaco como uma pessoa que tem agido de forma rápida e correspondido, a ministra da Agricultura Tereza Cristina. O ministro do Meio Ambiente que está desmontando os obstáculos ao crescimento do setor agropecuário, Ricardo Salles. Mas há os que destoam. Nós estamos vendo que não deu certo o primeiro ministro da Educação. Acho que o grande problema do Bolsonaro são seus filhos e o Olavo de Carvalho, que atrapalham mais do que qualquer oposição organizada. E enquanto ele não botar ordem na casa, é difícil o relacionamento com a imprensa e com o Congresso. Por isso, na área Legislativa é um verdadeiro iô-iô. Vai e volta.
Quando o governo deveria manter um bom diálogo para garantir um objetivo melhor que a reforma da Previdência. Sem ela, pode esquecer… o país não vai dar certo. Uma reforma desidratada, uma perspectiva provável, vai permitir que o governo chegue até o fim, mas vai deixar essa herança para o próximo governo. Alguém vai ter que tomar uma providência porque os números estão aí e eles não são desmentíveis. A cada ano o buraco é maior. Nós não temos mais recursos para investimentos. As privatizações são naturalmente lentas por causa das exigências burocráticas. Então o país passa por um momento de dificuldade e perplexidade diante dessas manifestações familiares. Uma briga inútil com a ala militar, onde há ministros da melhor qualidade.
ADI/Adjori – Estamos perdendo tempo?
Jorge Bornhausen – Já perdemos bastante tempo por falta de habilidade do próprio presidente da República.
ADI/Adjori – O que isso transmite para fora do país?
Jorge Bornhausen – O que nós estamos vendo é que o país está deixando de receber recursos externos em elevado volume, que poderiam estar acelerando o nosso crescimento e gerando os empregos que precisamos. Esse é o resultado dessas idas e voltas do presidente da República,
ADI/Adjori – Qual é o nosso limite?
Jorge Bornhausen – Eu gostei muito de uma entrevista dada essa semana (semana passada), em Nova Iorque, pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, em que ele afirmou que a reforma da Previdência será aprovada mesmo com o governo atrapalhando. E também conheço bem o deputado Samuel Moreira, que é o relator da Comissão Especial. É um parlamentar exemplar. Homem paciente, conciliador. Não poderia ter havido melhor escolha. Esses são os pontos que eu acho favoráveis para que a reforma ocorra, mesmo com o governo atrapalhando.
ADI/Adjori – Então, depende muito mais do Congresso se organizar e se afastar do Executivo?
Jorge Bornhausen – O Congresso, conscientemente, resolver o grande problema brasileiro. Na verdade, o projeto (de reforma da Previdência) foi apresentado pelo grupo do governo e é um projeto de profundidade, que resolveria bem o assunto. Mas não há firmeza por parte do presidente. E se forem verificadas votações anteriores sobre a mesma matéria, ele sempre se manifestou contrário. Porque ele é fruto do corporativismo, que é o grande mal que tem que ser rompido.
ADI/Adjori – Tanto o governo estadual quanto o federal são comandados pelo PSL. Quais são as diferenças e semelhanças entre o governo Moisés e o governo Bolsonaro?
Jorge Bornhausen – O Moisés leva vantagem sobre o Bolsonaro porque não fala. E por isso não atrapalha seus colaboradores. O Bolsonaro foi ousado em determinadas escolhas… o Moisés não foi. A escolha do Paulo Guedes, que eu conheço bem, foi ousada e acertada. Este é o exemplo que eu daria, o que não vem a ocorrer em Santa Catarina. Agora, o fato do Moisés falar pouco, ajuda o governo dele. O fato do Bolsonaro e a família falarem muito, atrapalha o governo dele. Neste ponto o Moisés ganharia.
ADI/Adjori – O acirramento entre direita e esquerda, principalmente no âmbito nacional, pode levar a um quadro de ainda mais instabilidade?
Jorge Bornhausen – Direita e esquerda não existem. Existem direita radical e esquerda radical. E nestas estão os olavistas (seguidores de Olavo de Carvalho) de um lado, e o PSOL e grande parte do PT de outro. Isso não é bom para o país, porque não são ideias radicais que vão nos levar a um consenso nacional.
ADI/Adjori – Há risco de derrubada do governo como começaram a indicar alguns setores da imprensa? Bolsonaro chega ao final do mandato?
Jorge Bornhausen – Espero que sim. É melhor para o país não ter nova crise institucional. No momento não vejo um risco maior de instabilidade. Lamento é que em tão pouco tempo de governo esse assunto passe a ser ventilado. Mas, para o presidente sair antes do final do mandato, precisa haver um motivo jurídico. E não há. O problema é que o Bolsonaro tenta imitar o Trump (Donald, presidente dos Estados Unidos).
ADI/Adjori – O que o senhor quer dizer com isso?
Jorge Bornhausen – As diferenças entre os países não permite isso. Lá o governo é pequeno, não atrapalha as pessoas, nem a economia. Cada vez que acontece um problema interno, Trump cria uma crise internacional para sair do foco. Mas a economia não sofre tanto, porque, como eu disse, o Estado é pequeno. Só que, aqui, a economia sofre imediatamente. Aqui o governo é enorme. Bolsonaro fala do preço do diesel e pronto, derruba a bolsa. Por quê? Por que é estatal. Tem que acabar com todas as estatais.
ADI/Adjori – Abrir mão de setores estratégicos, como petróleo e energia, não é perigoso para o país?
Jorge Bornhausen – Não existem bens estratégicos. Tem que produzir. E na mão da iniciativa privada a Petrobras vai produzir muito mais.
ADI/Adjori – Com base em não se ter uma nova crise institucional, como falou, foi acertada a decisão do impeachment de Dilma Rousseff?
Jorge Bornhausen – Foi acertada. Ela não tinha mais capacidade de governar. E havia uma revolta popular. Em menos de três meses de governo (mandato de 2014) ocorreram manifestações enormes contra ela. Foi esgotando. O país vinha em longa recessão, a roubalheira estava institucionalizada… não havia como segurar. Se fosse um regime Parlamentar, um voto de desconfiança teria resolvido o problema sem maiores prejuízos. O impeachment atrapalha a economia. A recessão acabou se aprofundando. O governo Temer (Michel, ex-presidente) conseguiu muito na área econômica e saiu da recessão graças à gestão econômica. Só não foi vitorioso na questão da Previdência por causa do Janot (Rodrigo, agora ex-procurador geral da República) e da Globo, que quiseram derrubá-lo. A Globo… quem está fazendo falta é o doutor Roberto Marinho, que sabia dirigir com mão de ferro (risos).
ADI/Adjori – Como o senhor avalia o momento do PT?
Jorge Bornhausen – O PT e as grandes legendas que foram atingidas pela corrupção já mostraram nas urnas o seu declive. Que vai ser maior agora na eleição municipal. As legendas do MDB, do PSDB… as grandes legendas também foram afetadas. Não pelo PSL e sim por terem problemas de governantes corruptos. A recuperação de imagem dessas legendas é quase impossível. Acredito que vamos começar a ter fusões, mudanças de nomes de partidos, um quadro diferente. E acho que quem vai crescer no campo da esquerda é o PSOL, exatamente pelo contraste com o radicalismo de direita.
ADI/Adjori – Considerando que é importante para a democracia ter forças divergentes, que erro o PSOL deve evitar, além da corrupção?
Jorge Bornhausen – O PSOL já é errado de nascença. Não tem solução (risos). Nasceu sob o signo do radicalismo. Mas pode crescer. Acho mais fácil, nessas próximas eleições, o crescimento do PSOL do que a recuperação do PT. O ideal era que houvesse uma revisão do sistema de governo e do sistema eleitoral.
ADI/Adjori – Em que direção?
Jorge Bornhausen – Do Parlamentarismo, no sistema de governo, porque está provado que o presidencialismo, no Brasil, é uma fonte permanente de crise institucional; e um sistema eleitoral de listas, que permita uma renovação com qualidade e não uma eleição dos que têm corporação ou mídia. Eu destaco Portugal, que tem uma alta qualidade de homens públicos. Morei lá por dois anos, pude acompanhar de perto. Um país pequenininho, que consegue ter qualidade em seus homens públicos. Por causa do sistema eleitoral e do sistema de governo.
ADI/Adjori – Em Santa Catarina, qual deve ser o caminho do DEM e do PSD?
Jorge Bornhausen – O PSD vai crescer no estado com a saída do Merisio (Gelson, ex-deputado estadual). Quem impediu a tríplice aliança foi o Merisio. E ela seria vitoriosa. Não teria nascido nenhum Moisés. A candidatura do Udo (Döhler, MDB, prefeito de Joinville), com o apoio dos grandes partidos, era imbatível. Depois a do Esperidião (Amin, PP, senador). Depois a do próprio Paulo Bauer e do Napoleão Bernardes (respectivamente ex-senador e ex-prefeito de Blumenau, ambos do PSDB)… mas tudo isso foi impedido pelos presidentes dos partidos em uma articulação do Merisio. O PSD deve ter novos quadros e eu acho que vai progredir.
ADI/Adjori – Sobre o DEM…
Jorge Bornhausen – Aqui no estado ele ficou muito pequeno. Está agora procurando aumentar seus quadros, mas é um trabalho difícil. No cenário nacional, tem ministro, participa do governo e tem a presidência da Câmara, Rodrigo Maia.
Por Andréa Leonora e Murici Balbinot
Fotos: Murici Balbinot
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