Formado em Ciências da Computação, é CEO e sócio-fundador da Audaces, empresa referência mundial em inovação tecnológica para a moda, com clientes em 70 países. Conselheiro desde 2011 da Federação das Indústrias (Fiesc), assumiu a presidência da Câmara de Desenvolvimento da Indústria da Moda da entidade em 2017. O setor Têxtil e de Confecção de Santa Catarina conta 9,2 mil estabelecimentos, que representam 18,5% de toda a indústria catarinense. As maiores concentrações de empresas do ramo estão no Vale do Itajaí (28,54%), Vale do Itajaí Mirim (14,47%) e Alto Vale do Itajaí (12,02%). Nos primeiros dois meses de 2019, o maior volume de exportações saiu de Blumenau (22,38%), seguido por Balneário Piçarras (14,13%), Indaial (12,42%), Jaraguá do Sul (8,52%) e São José (6,82%). Nesta entrevista exclusiva que concedeu à Coluna Pelo Estado, ele fala dos desafios de manter o setor produzindo riqueza, tributos e empregos, e ainda competindo no mercado nacional com produtos importados de baixo custo.
[PeloEstado] – Como se configura o setor têxtil catarinense hoje?
Cláudio Grando – Uma coisa importante é que o setor têxtil em Santa Catarina é composto por micros e pequenas empr
esas. Mais de 90% são micro e pequenas, mas o emprego está distribuído entre as grandes, médias e pequenas. O estado tem uma cadeia completa, tem produção de fios, de tecidos, de insumos, de roupa e confecção. É uma indústria que tem procurado se modernizar, principalmente em termos de processos, nos últimos anos, e de valorizar a produção de Santa Catarina. Certamente é uma das cadeias mais conscientes do ponto de vista tributário, trabalhista/laboral e ambiental. As empresas de Santa Catarina são muito responsáveis, do ponto de vista ambiental, tributário e trabalhista. É um setor bastante formalizado por aqui.
[PE] – Em relação a outros estados ou a outros setores?
Grando – Na comparação com outros estados. Por ter essa responsabilidade, ela carrega custos que outras regiões do mundo e do país não carregam. Uma das questões com certeza é a tributária. O Brasil é um país ainda muito complicado, que não incentiva a produção. Principalmente na cadeia. São empresas que produzem fio, depois produzem o tecido, depois a roupa. E ainda tem prestadores de serviço no meio do caminho. É muita bitributação, com uma complexidade de impostos gigantesca. Outras regiões do mundo não têm esses custos. E hoje os concorrentes de Santa Catarina estão fora do Brasil, estão no mundo. Estamos competindo de maneira desigual, principalmente na questão tributária. Além disso, hoje, uma indústria precisa ter 20 pessoas envolvidas na parte financeira, fiscal e tributária, para prestar informações ao Fisco, para pagar imposto, calcular imposto, prestar informações à Receita, enfim, cumprir todas as obrigações legais. Lá fora teria uma só pessoa para fazer o mesmo.
[PE] – Além do custo com os tributos em si…
Grando – Tem custo para recolher os impostos. Na grande maioria dos países é um imposto. Aqui temos, não sei… 50 impostos. E aí a empresa tem que ter toda uma estrutura para calcular o imposto, pagar o imposto da maneira correta e fornecer todas as informações que o governo solicita. É um custo indireto nunca considerado. Além da carga tributária tem esse custo burocrático.
[PE] – O setor mantém tratamento tributário especial, em debate agora. Como está essa questão?
Grando – É preciso reforçar as conversas com o governo do Estado, principalmente o secretário da Fazenda, Paulo Eli, foram muito boas (a reunião foi na semana passada). Eles entenderam melhor o setor e a importância da cadeia produtiva de moda para o desenvolvimento e sustentabilidade financeira do próprio Estado. Estamos conversando com o governo e mostrando os números. Por exemplo, este setor é o segundo maior gerador de empregos na indústria. São mais de 170 mil empregos formais em Santa Catarina, em toda a cadeia e só de empregos diretos. E mais de 200 mil indiretos, em outras empresas, que prestam serviços para essa cadeia. Algumas pessoas comparam que as indústrias de Santa Catarina pagam 3% de ICMS. Em São Paulo, o percentual é zero. Em Goiás, 1%. Por que essa diferença, principalmente em São Paulo, com economia expressiva em qualquer área? Porque eles sabem que essa é uma indústria que emprega muitas pessoas. No momento em que se empregam muitas pessoas, não é só o ICMS que vai para o Estado.
[PE] – O que quer dizer com isso?
Grando – Quando você tem 170 mil empregos formais, todos os salários dessas pessoas, os impostos sobre esses salários, retornam para a sociedade. Se temos 170 mil pessoas recebendo salário em Santa Catarina, gastando em Santa Catarina e fazendo girar a economia de Santa Catarina. Se temos aumento de impostos, e somos menos competitivos no Brasil – fora do Brasil nem se fala –, esses empregos vão migrar para outras regiões, ou para outros países. Então não é só o ICMS que o governo vai perder. É a geração de empregos e a renda dessas pessoas que deixa de circular em Santa Catarina. É mais complexo do simplesmente dizer que uma indústria tem que pagar mais impostos.
[PE] – Como a Câmara está tratando disso com o governo?
Grando – É uma comissão capitaneada pela Fiesc (Federação das Indústrias), que não toma nenhuma decisão sozinha. Na reunião que tivemos estiveram 18 sindicatos ligados à indústria têxtil, empresários de todas as áreas dessa cadeia e montamos uma comissão com dez empresários e representantes de sindicatos de diferentes regiões. É essa comissão que está conversando com o governo do Estado, com a Secretaria da Fazenda.
[PE] – Qual o cenário sem o tratamento tributário especial?
Grando – Hoje eu diria que quase 50% dos empregos do setor têxtil estariam em risco, nas diferentes regiões, já que temos produção no Oeste, no Sul, no Vale do Itajaí, a região mais forte, no Norte. São mais de 10 anos de tratamento tributário especial, e nos últimos cinco anos, apesar de o incentivo em Santa Catarina ser menor do que em outros estados e apesar da crise, a cadeia da moda cresceu em Santa Catarina. Geramos mais empregos, abrimos mais indústrias.
[PE] – Como isso aconteceu?
Grando – As empresas são responsáveis, investem, geram empregos formais. Também estamos fazendo um trabalho na Câmara da Moda para a qualificação das empresas e para a geração de valor para a moda produzida em Santa Catarina. Somos um polo de geração de design, somos um polo industrial que produz para outras marcas. Mas as empresas que aqui produzem para outras marcas estão gerando o design em Santa Catarina. E uma roupa com design diferenciado tem um valor maior. As pessoas pagam mais por isso. E estamos incentivando que a indústria catarinense trabalhe em cima desse valor agregado.
[PE] – Como está hoje a competição com os produtos importados?
Grando – Se formos competir de igual para igual com a China, vamos perder, em função da carga tributária, principalmente. Temos incentivado as indústrias daqui a trabalharem com moda de valor agregado, uma moda autêntica de Santa Catarina, do Brasil, para fugir da competição por commodities. Uma camiseta branca aqui e na China, será muito mais barato na China. É difícil competir. Mas um vestido, uma calça jeans ou mesmo uma camiseta com um design diferenciado, criados aqui faz com que a gente consiga ser competitivo pelo design. Temos que ser extremamente organizados do ponto de vista da produção, temos que agregar design, para fugir à competição de commodities da China.
[PE] – Quais são os outros competidores?
Grando – China, Bangladesh, Paquistão. E na maioria desses países não tem o rigor, ou a responsabilidade ambiental, que temos em Santa Catarina. Com menos responsabilidade ambiental você pode produzir mais barato, mas a natureza paga um preço muito alto. Como somos responsáveis, não fazemos isso.
[PE] – O estado ainda é o maior produtor nacional de têxteis?
Grando – É o segundo maior produtor, atrás de São Paulo. Chegamos a ser o maior. Nos últimos três, quatro anos, estamos crescendo mais do que São Paulo. Podemos retomar essa posição nos próximos anos.
[PE] – Como se diferenciar?
Grando – Hoje temos mais de 20 instituições universitárias de ensino que formam pessoas na área, na indústria da moda. Estamos formando pessoas, capacitando profissionais via Senai-SC, e também via universidades públicas e privadas, para termos mais pessoas qualificadas para nos inserirmos na indústria 4.0 e gerarmos o design qualificado para agregação de valor.
[PE] – Falando em indústria 4.0, como está hoje o nível de automação e tecnologia no setor têxtil?
Grando – Ainda é um setor pouco automatizado. Pode empregar bem mais automação. Felizmente, para a confecção, a indústria 4.0 está mais ou menos equilibrada em todos os países do mundo. Algumas áreas industriais do Brasil talvez tenham perdido o bonde da indústria 4.0. Algumas indústrias de outros setores estão muito à frente, nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Mas a indústria de confecção no mundo ainda é 2.0 e 3.0. Estamos fazendo um movimento para que as indústrias daqui tomem consciência disso. Se investirmos rápido em tecnologia da indústria 4.0, podemos nos destacar mundialmente. Mas como investir? Aí entramos de novo no custo Brasil. Embora a taxa Selic esteja nos níveis mais baixos da história, mas o custo para as empresas na prática via sistema bancário ainda é de 15%, 20% ao ano de juros. Contra 1%, 2%, lá fora. Já saímos na largada perdendo 13%.
Por Andréa Leonora
Foto: Edson Junkes/Fiesc
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