“A sociedade não tem que ter medo do debate”

Ele nasceu em Belo Horizonte (MG), passou pelos estados do Ceará, Maranhão e Rio Grande do Sul, mas hoje vive e atua profissionalmente em Florianópolis (SC). Com 44 anos, assumiu a tarefa de presidir o Tribunal de Contas do Estado, o TCE-SC, órgão que faz parte do Judiciário e tem um papel bastante específico: manter na linha os poderes executivos do Estado e dos municípios. O TCE-SC ajuda as câmaras de vereadores e a Assembleia Legislativa na fiscalização das finanças e da destinação dos recursos públicos, alertando para erros e impedindo desvios. Uma das preocupações do conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Jr, presidente do TCE-SC para o biênio 2019/2020 – podendo ser reeleito para mais um período de dois anos -, é garantir a autossuficiência financeira dos municípios. Nessa esteira, surgiram informações sobre a necessidade de fusão de cidades catarinenses com população inferior a 5 mil habitantes. Mas não é tão simples assim. E é sobre a complexidade da situação que o presidente do TCE-SC fala nesta entrevista exclusiva à Coluna Pelo Estado. Ele também fala sobre obras paradas e renúncias fiscais, que já trata como uma possível Caixa de Pandora. Aqui você lê a íntegra da entrevista, publicada apenas parcialmente nos veículos impressos da rede ADI-SC.

 

[PeloEstado] – O que motiva o TCE-SC a pensar na fusão de municípios com menos de 5 mil habitantes?

Adircélio de Moraes Ferreira Jr. Esse assunto deve ser analisado dentro de um contexto maior, que envolve o federalismo e isso tem reflexo no municipalismo. A gente entende que um municipalismo forte tem como pressuposto municípios autossustentáveis. Por que esse debate é oportuno? Porque há em tramitação no Congresso Nacional propostas de lei que tendem a flexibilizar a criação de mais municípios. A principal abordagem desse debate, a primeira delas, é refletirmos sobre a questão de mais municípios. Para não acontecer de acordarmos de repente e termos aí mais 10, 15, 20 municípios não sustentáveis. Esse é o primeiro enfoque. O segundo é dentro da estrutura municipal atual, dentro dos municípios que temos hoje, que medidas podemos adotar, de gestão e controle, Tribunal de Contas e gestão pública, no sentido de caminharmos para a autossustentabilidade dos municípios existentes? A área técnica do Tribunal fez um estudo sobre esse assunto, que ainda não foi debatido e não passou pelo Plenário, mas que achei muito interessante, porque aborda vários fatores, vários aspectos, e cuja conclusão é de que havia 105 municípios com menos de cinco mil habitantes, que não seriam sustentáveis. E falou-se ali em fusão.

 

[PE] – Todos esses 105 municípios não são autossustentáveis?

Adircélio Ferreira – Isso. A principal fonte de receita desses municípios é o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Não têm arrecadação própria e não se justificam do ponto de vista das contas públicas e fiscal. Não têm autossuficiência para bancar suas despesas. Tem município que foi criado recentemente e até hoje nunca teve as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas. Fica bem evidente essa questão da falta de sustentabilidade. Não deveria, então, ter sido criado. A ideia, mesmo antes de assumir a presidência, era pegar esse estudo, autuar o processo, e levar ao Plenário para o debate. E a ideia do debate é que não seja feito somente no Tribunal. Devemos abrir audiências públicas, promover seminários públicos. Pensar em fusões seria a última etapa de um longo processo, até porque antes das fusões temos que pensar na atuação dos consórcios de municípios, por exemplo, para tentar fazer esse equilíbrio, para poder barganhar nas compras, em serviços, área de saúde…

 

[PE] – É um debate que extrapola o espaço do TCE-SC.

Adircélio Ferreira – Exatamente. Essa discussão não pode ser feita apenas sob o aspecto das contas públicas. Ela tem vários fatores que escapam até da expertise do Tribunal. Existem fatores históricos, sociológicos, culturais, humanos. Qual o impacto no cidadão com relação à sua identidade, por exemplo, em uma eventual fusão? Isso a gente não analisa. Mas, num debate público, a gente pode trazer esses temas. Agora eu penso que a grande virtude desse debate é a gente romper um tabu. Porque isso não é discutido. E se a gente não discutir isso hoje, é capaz de amanhã a gente acordar com mais municípios, sem condições de manterem serviços básicos. Então, esse processo foi autuado, foi distribuído para um relator. Muito provavelmente a gente vai aprofundar aquele estudo, porque aquele foi um estudo econométrico, feito basicamente do ponto de vista da arrecadação, das finanças. E mesmo sob esses aspectos, tem variáveis que a gente pode trabalhar, como a estrutura dos municípios. Quantas secretarias têm? Não seria o caso de fundir secretarias? E a quantidade de vereadores? A quantidade de servidores nas Câmaras?

 

[PE] – Já estão falando em aumentar o número de vereadores.

Adircélio Ferreira – E será que se justifica? Quando a gente levantou esse debate, não foi focando na fusão. Foi primeiro em evitar a criação de mais municípios. Segundo, na análise da estrutura atual dos municípios existentes. O que se pode enxugar? E na questão da arrecadação própria. Isso é muito comum: o poder político local não quer se indispor com o poder econômico local. Então, o que faz? Não institui os tributos que deveria, não revisa a planta genérica do IPTU, por exemplo. Porque isso gera um desgaste que se desgaste se reflete nas urnas. E o que a gente tem que fazer, como órgão de controle que também foca na receita pública? Cobrar dos gestores a instituição dos tributos que são devidos por competência constitucional, a estruturação e o aparelhamento da sua administração tributária, tanto os órgãos de fiscalização tributária quanto a execução fiscal por parte da procuradoria municipal. Isso está funcionando bem ou só existe de fachada? Se é que existe?

 

[PE] – Não é um processo que começou e que acaba logo.

Adircélio Ferreira – Não, não é. Até porque o Tribunal de Contas não decide sobre a fusão de municípios. O que a gente está promovendo é um debate e ao final desse processo, desse grande debate público, o Tribunal deve encaminhar suas conclusões. Quais são? A gente não sabe.

[PE] – Mas encaminha para onde? Quem decide isso? O Executivo? A Assembleia?

Adircélio Ferreira – Primeiro, as populações envolvidas, que têm que ser ouvidas em um processo de plebiscito. Ao final, vai para a Assembleia Legislativa. Mas essa é uma discussão que tem que ser feita por toda a sociedade catarinense, pelas autoridades locais, além das populações envolvidas, o parlamento local, os prefeitos, os deputados que representam aquela região. É um debate da sociedade. O que a sociedade não tem que ter medo é do debate. A gente tem que promover esse debate público, crítico, sem paixões. E o papel do Tribunal de Contas que eu enxergo é o de promover esse debate. A fusão é uma solução? Talvez uma das últimas. Até porque, politicamente, é das mais difíceis. Todo mundo é a favor da fusão dos municípios, mas quando chega no seu município, a posição muda.

 

[PE] – Qual o próximo passo?

Adircélio Ferreira – A gente vai entregar esse estudo para o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, já que a preocupação nossa, primária, é a eventual criação de novos municípios. Acreditamos que agora não é o momento. Já protocolamos o pedido de agenda. A ideia é que Santa Catarina consiga puxar esse debate, que ele vá crescendo. Que chegue ao Congresso, que ganhe contorno nacional. Eu sou diretor de Aprimoramento de Controle da Associação dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Estou provocando meus pares para a gente levantar essa bandeira nacionalmente. Inclusive, para essa entrega ao Rodrigo Maia, já convidei o presidente da Atricon, o Fábio Nogueira, e ele tem interesse. Vamos acertar uma data conjunta. Ainda não tem data definida.

 

[PE] – Vocês já têm recebido reações a esse estudo?

Adircélio Ferreira – Várias. De todo tipo, positivas e negativas. Existem municípios na lista que aparentemente não são autossustentáveis hoje, mas há um potencial de sustentabilidade. Tem que analisar não a situação estática, mas enxergar o potencial pra frente. Tem municípios com mais de cinco mil habitantes que talvez fosse o caso de fundir. Por exemplo, recebi a visita de um vereador de Camboriú pedindo um parecer técnico do Tribunal de Contas, dentro desse contexto do municipalismo, para avaliar a viabilidade da fusão de Balneário Camboriú e Camboriú, só que agora no sentido inverso. Balneário saiu de Camboriú e ele gostaria que Camboriú fosse incorporada por Balneário. Ele alega que Camboriú tem 80 mil habitantes, as pessoas trabalham em Balneário, gastam em Balneário e voltam para dormir. Camboriú virou uma cidade dormitório. Existe um passivo, um gasto de se manter a estrutura e que seria melhor ser absorvido por Balneário. É uma polêmica. Ele é minoria lá, mas não deixa de ser uma voz.

 

[PE] – Aí seria plebiscito. Da mesma maneira que se decide a emancipação.

Adircélio Ferreira – Exatamente. É um tema complexo. Não há soluções simplistas para temas complexos. A ideia é debater. Não temos a pretensão de sermos os donos da razão.

 

[PE] – Como é que a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) recebeu essa possibilidade?

Adircélio Ferreira – É a favor do debate. Sobre os encaminhamentos de fusão, eles enxergam maior dificuldade, acham que tem que ser analisado caso a caso, e que só um ou outro município deve se fundir.

 

[PE] – Outro assunto que TCE-SC está mexendo é o das obras púbicas inacabadas. Qual o objetivo?

Adircélio Ferreira – Esta é uma situação inaceitável. Não podemos admitir que recursos públicos fiquem subutilizados ou mal utilizados. A ideia do Tribunal de Contas, e isso está sendo um movimento nacional, é fazer um grande levantamento dessas obras para traçar um diagnóstico, e a partir disso traçar um prognóstico. O que aconteceu, o que nos levou a essa situação? E trabalhar para evitar isso. Além de buscar eventuais responsáveis. Um exemplo é o equipamento do Centro de Eventos de Balneário Camboriú. Um equipamento moderno que, parado, só gera prejuízo.

 

[PE] – Também há preocupação do TCE-SC sobre renúncia fiscal.

Adircélio Ferreira – Existe essa preocupação. Hoje, a Divisão de Administração Tributária (DIAT), da Secretaria da Fazenda, simplesmente tem negado acesso ao Tribunal de Contas a essas informações, sob a alegação de sigilo fiscal. A gente não concorda com isso, somos um Tribunal de Contas e já tínhamos decidido, no ano passado, que se não tivéssemos acesso a essas informações iríamos buscar pela via judicial. Como tivemos um fato novo, que foi a eleição do governador Moisés…

 

[PE] – Mais de dois meses e nada? O que esperam encontrar ali?

Adircélio Ferreira – Ainda não. O que eu noto é que ainda há resistência forte na DIAT. Vai ter que ser de cima para baixo. O governador vai ter que determinar, porque se for de baixo para cima não vem. A gente estava falando em caixa preta, mas depois da declaração do secretário Paulo Eli, de benefício de gaveta e tudo o mais, não sei se já não se pode falar em uma possível Caixa de Pandora.

[PE] – E ele falou abertamente, na Assembleia Legislativa, não só dos contratos de gaveta como que desconhecia alguns desses processos.

Adircélio Ferreira – Falou abertamente. Não sou eu que estou dizendo. Falo a partir da declaração dele. A gente tem certa dificuldade de entender essa restrição de acesso a dados para o Tribunal. E quando a gente alia toda essa dificuldade com declarações de benefício de gaveta, aí ganha força essa figura da Caixa de Pandora. Qual a ideia do Tribunal? Primeiro, analisar os critérios de concessão dos benefícios fiscais. Não somos contra os benefícios fiscais. São instrumentos importantíssimos de política econômica e fiscal para fomentar determinado segmento, determinada região. O que queremos é saber quais os critérios para a concessão desses benefícios

 

[PE] – Que foi o que vocês encaminharam ano passado, determinando que eles passem a responder isso.

Adircélio Ferreira – Isso, exatamente. Qual a avaliação desses benefícios? Que retornos estão trazendo? Os retornos esperados, concretizados? Essa avaliação está sendo feita? Queremos ver também. Queremos fazer também uma avaliação. Outra coisa importante, com relação à DIAT, é que, quando ela nega as informações, não é só sobre renúncia fiscal. Hoje, temos acesso às notas fiscais eletrônicas daqueles que fornecem para o poder público.

 

[PE] – Entramos em outro assunto. Pode explicar melhor?

Adircélio Ferreira – Por exemplo, vamos pegar o campo de medicamentos. As empresas vendem medicamentos para o setor público por um determinado preço. Precisamos de acesso a todas as notas fiscais para montar um banco de preços e verificar por quanto essas distribuidoras estão vendendo para o setor privado. A gente suspeita que é um valor bem menor. Hoje, a Secretaria da Fazenda tem essas informações e não as usa. Porque a Secretaria da Fazenda é órgão de arrecadação e de controle. A DIAT nega acesso até ao órgão de controle, que está dentro da estrutura da Secretaria da Fazenda. Nega para si própria a informação. Seria menos ruim se eles ao menos montassem um banco de preços. O Estado precisa ter informações embasadas para dizer “não vou aceitar esse preço porque você vende para o setor privado por uma média muito menor. Ou para outro estado”. Então esse é outro enfoque. O banco de preços é questão crucial para o Tribunal de Contas. A Fecam também reclama da Secretaria da Fazenda, porque a DIAT não está passando para os municípios as informações que eles têm da Dedred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito), mesmo com o convênio para que sejam repassados esses dados aos municípios para eles possam fiscalizar o seu ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza).

 

[PE] – Isso vai ser levado para o governador?

Adircélio Ferreira – Isso já foi levado. A ideia é, quando abrir o sigilo, a gente também montar o banco de preços, já que eles não montam. Temos estrutura para isso. Não só temos como estamos aprimorando nossa unidade de Inteligência, que hoje é um núcleo, mas vai ganhar musculatura e vai se transformar em uma Diretoria, dando apoio a todas as outras diretorias da Casa. A gente quer uma atuação instantânea do Tribunal de Contas, uma atuação imediata, com cruzamento de dados, inteligência artificial, aprendizagem de máquina. Queremos investir muito nessa parte da tecnologia da informação.

 

[PE] – Não é para perseguir, mas para fiscalizar e dar as soluções.

Adircélio Ferreira – O Tribunal é um órgão parceiro do bom gestor. Primeiramente é a gente detectar e apontar caminhos. E se nesse trabalho a gente encontrar má fé, corrupção, irregularidades, e a gente sabe que encontra, aí tem que punir, como deve ser punido, buscar representar, na matéria criminal, para o Ministério Público, atuando em conjunto com os outros órgãos de controle.

 

[PE] – Qual o prazo que o senhor dará para o Estado apresentar as informações que o TCE vem solicitando sem sucesso?

Adircélio Ferreira – Vamos encaminhar uma proposta de minuta de Termo de Cooperação fundamentado com parecer nosso, já que o parecer da DIAT veio negando, no final do ano passado. E tem um parecer da PGE (Procuradoria Geral do Estado), que foi feito em conjunto, que nos dá certo acesso, mas não como gostaríamos. Já veio uma minuta para assinarmos, mas não concordamos e não assinamos. Acredito que no máximo em dois meses teremos um resultado. Senão, vamos buscar a Justiça.

 

[PE] – Por que isso ainda não foi feito?

Adircélio Ferreira – Temos um problema hoje que é a falta de uma representação judicial no TCE. Dependemos da PGE. E a PGE está vinculada ao governo. Temos um parecer da PGE que nos dá acesso, mas não completo. Então, temos que buscar um mecanismo, que estamos em discussão, de termos uma representação judicial. Alguns Tribunais de Conta têm sua própria Assessoria Jurídica. No passado, tivemos embates com a Assembleia Legislativa. Mandamos um projeto de lei que foi totalmente desfigurado, fizeram um contrabando legislativo, diminuindo poderes do Tribunal de Contas. Não tivemos quem nos defendesse. O governador disse que lavaria as mãos, que a Assembleia era o patrão do Tribunal de Contas. Uma declaração das mais infelizes. Quem nos salvou foi a Atricon, que entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal (STF) e o STF suspendeu toda a proposta, à exceção do único artigo que havíamos mandado para eles, que era o que a gente queria. Ou seja, quem tem feito nossa defesa é a Atricon.

 

[PE] – E o senhor pretende resolver isso na sua gestão?

Adircélio Ferreira – Sim. A gestão anterior tomou uma medida importante que foi criar o escritório da PGE dentro do Tribunal de Contas. É um caminho, mas não sei se é o melhor. Talvez a solução seja montar uma Procuradoria Jurídica, uma estrutura pequena na Casa, dois procuradores, um geral e um adjunto, para que possam fazer essa defesa.

 

[PE] – Na semana passada, os veículos da ADI, da Adjori e o Notícias do Dia identificaram que o governo do Estado, que tem falado insistentemente em limite financeiro, deixou acontecer automaticamente o aumento de teto salarial. Com isso, 900 pessoas passaram a receber o teto, impactando o caixa em R$ 6 milhões por mês, R$ 72 milhões por ano. Já que isso colocou o Estado ainda mais próximo do limite máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o TCE pode fazer algo?

 

Adircélio Ferreira – O governador não tem nem muito que fazer nessa questão. Esses subsídios da Magistratura, do Estado, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, estão estabelecidos desde 2003, 2005, quando foram transformados em subsídios. Foram fixados em termos percentuais. A Constituição assegura esse escalonamento percentual para essas carreiras. A meu ver não tem inconstitucionalidade nenhuma. Aumentou lá, aumenta automaticamente aqui. O Fisco conseguiu uma emenda constitucional específica para eles, que não os submete ao teto do Executivo. O teto deles é o do desembargador. Como eles têm uma gratificação por produtividade, que extrapola o teto, quando o teto aumentou, aumenta automaticamente. Se o governador quiser mexer nisso, aí é questão de política de gestão de pessoas. Governador e TCE não têm o que fazer. E essas carreiras estão com defasagem salarial. A gente teve na verdade diminuição de salário. Com a extinção do auxílio moradia, e a incorporação dessa parcela na remuneração, o impacto para os cofres públicos foi menor. Meu salário líquido, por exemplo, diminuiu mais de R$ 1,5 mil.

 

[PE] – O que fazer para ajustar receita e despesa?

Adircélio Ferreira – No Estado, temos outras gorduras para queimar. O TCE está fazendo seu dever de casa, cortando onde dá para cortar. Nos outros poderes, tenho sentido que também estão fazendo isso. O governador está imbuído desse espírito, está cortando até o cafezinho, o papel. Mas tem gorduras mais volumosas. O governador tem ouvido o TCE. Vamos estreitar o diálogo institucional.

 

[PE] – O TCE acaba sendo um grande aliado para o governo.

Adircélio Ferreira – Como eu disse, o Tribunal de Contas é parceiro do bom gestor. Se a ideia é racionalizar gastos, incrementar a receita, sob o ponto de vista da qualidade da receita, cobrar de quem não está pagando, aí o TCE é parceiro. O TCE está disposto a dialogar institucionalmente, mas não pode ser como no passado, em que a nossa indicação não era considerada. E de certa forma a gente não dava a resposta que deveria. Veja a questão das SDRs (Secretarias de Desenvolvimento Regional, depois transformadas em Agências). Fui relator disso em 2012, fiz questão de incluir na análise das contas de governo e lá a gente concluiu que as SDRs não se justificavam naquela quantidade, que deveriam ser extintas ou, no mínimo, reduzidas ao percentual ou quantidade justificável. Desde então, viemos reiterando. Fizemos auditorias operacionais que ratificaram essa conclusão. E o que os governos fizeram de lá para cá? Nada! Só agora o governador está escutando o Tribunal de Contas. Desde 2011, 2012, dizemos que tem que ter a Controladoria Geral do Estado. E agora o governador está escutando o TCE e tomando medidas. Se há espaço para o diálogo, a gente vai fazer. Vamos recomendar. Vai caber a ele aceitar as recomendações.

 

[PE] – Como a sociedade pode entender e valorizar a missão do TCE-SC em favor dela própria?

Adircélio Ferreira – Pretendemos ter um Tribunal mais dialógico, mais aberto à sociedade. O controle social é um parceiro fundamental do controle institucional, que é o exercido pelo TCE. Quando esses dois trabalham em conjunto, a sociedade tem a ganhar. Existem bandeiras que o TCE vai levantar e é importante que a gente tenha o apoio da sociedade. Porque há resistências naturais.

 

[PE] – A sociedade entende o papel do Tribunal de Contas?

Adircélio Ferreira – Acho que ainda não tem a exata compreensão da dimensão do TCE. Acho que nem o TCE tinha essa noção, da importância do seu papel. Temos que assumir esse protagonismo. A Constituição Federal de 1988 nos outorgou um mandato muito amplo, da fiscalização sob o ponto de vista da operacionalidade, da eficiência, da economicidade, da eficácia. O controle que foi feito durante muito tempo era eminentemente formal, muito da cultura latina nossa. Temos que deslocar o eixo do controle para o resultado, sem perder de vista as formalidades que importam. Partindo para o controle de resultados, vamos avaliar políticas públicas, focar na qualidade do serviço prestado ao cidadão. Deixar um pouco de lado aquela análise meramente quantitativa, de se cumprir um percentual mínimo de saúde, educação. Temos que deslocar o controle para a qualidade, não apenas para a quantidade.

 

[PE] – Como é a atuação do TCE para o interior catarinense?

Adircélio Ferreira – O TCE está sediado em Florianópolis e não tem unidades regionalizadas. Vamos buscar maior aproximação com cidades do interior, dinamizar nosso Ciclo de Estudos da Gestão Municipal, período em que visitamos nossos jurisdicionados. Pretendemos nos aproximar mais desses que estão mais afastados geograficamente. Já estamos fazendo uma grande reestruturação organizacional na Casa. Cada procurador vai ser responsável por um grupo de unidades durante um período. Nós somos um órgão híbrido, de julgamento, mas também de fiscalização. E essa natureza não pode ser perdida de vista quando nos organizamos para exercer nossa função. O procurador, ao monitorar um grupo de municípios, vai conhecer a realidade de cada um, com isso, será mais eficiente ao fiscalizar e propor medidas. Montamos grupos de unidades, com grandes, médios e pequenos municípios, e sorteamos entre os relatores. Além disso, vamos criar as relatorias temáticas, que são outra forma de autuação do processo. Também já temos a reestruturação das novas diretorias. Sem aumentar a quantidade. Temos um normativo com a responsabilidade de cada diretoria. Essa nova estruturação, junto com a nova forma de autuar processos e as relatorias temáticas, resultam em uma nova forma de atuação do Tribunal de Contas. Aí o TCE vai estar preparado para fazer a fiscalização concomitantemente ao acompanhamento, em tempo real. Vamos depender da tecnologia da informação. Entra aí um projeto de solução integrada de sistema informatizado.

 

[PE] – Do que se trata?

Adircélio Ferreira – Fizemos um debate, mas não avançamos. A grande questão foi a riqueza do debate. É que hoje os municípios gastam milhões de reais em soluções de informática que não os atendem sob o ponto de vista da gestão e também não atendem ao TCE do ponto de vista do controle. Então, é gasto aí R$ 80 milhões, por baixo, fora a customização para atender uma ou outra demanda do órgão de controle. Aí chega aos R$ 100 milhões. É muito caro para o benefício do serviço que a gente recebe. O TCE recebe hoje as informações com uma defasagem de dois meses, porque as remessas são bimestrais. Do ponto de vista do controle, não nos atende, porque queremos controle instantâneo. A experiência que tivemos no Núcleo de Inteligência, do qual fui supervisor, é que fazíamos o monitoramento, às vezes antecipávamos a remessa. Acendia o sinal amarelo e a gente já notificava o gestor e o controlador interno. Eles mesmos resolviam e nos informavam em mais de 90% dos casos.

 

[PE] – Aí também pode entrar a solução de consórcios?

Adircélio Ferreira – É uma possibilidade, porque o que precisamos é identificar logo o problema e reagir à altura, com celeridade, antes que se acumulem prejuízos. Por exemplo, identificamos que havia um grupo de servidores públicos acumulando valores indevidamente, em cargos públicos. Identificamos, notificamos, sem aquela morosidade do processo. Pode melhorar. Podemos estabelecer diálogo com os titulares de cada órgão. Por exemplo, surge um sinal amarelo nas contas do governo do Estado, a gente comunica o governador e recomenda atenção. Esse monitoramento em tempo real permite isso. Estamos discutindo soluções. Quando falamos em R$ 100 milhões para soluções de tecnologia de informação, é bom dizer que há uma concentração. São somente quatro ou cinco empresas oferecendo esse tipo de serviço no Estado. Quando falamos em “sistemão”, estamos falando de empresa. Vamos sair da mão de cinco, para cair na de uma, quando deveríamos estar em um mercado mais pulverizado, para ter mais competitividade, melhor preço, mais qualidade de serviço. O “sistemão” não nos agrada nesse aspecto. Nesse caso, o TCE compraria o sistema e imporia aos municípios. Não é o trabalho do Tribunal, não temos expertise de desenvolvimento de software. Vivemos em um polo de informática, Florianópolis, e temos no mercado várias soluções de que podemos lançar mão. A partir desse diagnóstico, queremos fazer um termo de referência bem detalhado do que precisamos e aí vamos debater publicamente com o consórcio de informática dos municípios e com a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), para ver o que podemos melhorar nesse termo de referência e jogar para o mercado. Aí é acompanhar as licitações para evitar a cartelização. Com isso, baixamos preço, melhoramos a qualidade das soluções de informática dos municípios e as soluções de informática para o controle. Que atenda a eles e nos atenda, com instantaneidade de informação. Tem bastante trabalho, mas estamos fazendo já. A parte de estruturação a gente vai conseguir atuar. O que mais vai demorar é essa questão de tecnologia da informação. Mas tenho uma assessoria direta na presidência. Vamos nos abrir para a sociedade para debater a encontrar uma solução conjunta.

 

Por Andréa Leonora

Foto: Douglas Santos/TCE-SC