“O governo tem que olhar o país como um todo”
Foto: Ana Ceron/SAR

Pós-graduado em Desenvolvimento Gerencial, foi um dos fundadores do Instituto Catarinense de Sanidade Agropecuária (Icasa), diretor executivo no Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados (Sindicarne-SC) e da Associação Catarinense de Avicultura (ACAV), além de membro do Conselho do Agronegócio na Confederação Nacional da Indústria e da Associação de Proteína Animal (ABPA). Também atuou como Assessor Jurídico na Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), foi chefe do Departamento de Recursos Humanos, assessor jurídico e advogado na Sadia e professor na Universidade do Contestado, Fundação de Ensino do Desenvolvimento do Oeste e na Sociedade Educacional Tuiuti. Desde o começo do ano, Ricardo de Gouvêa mudou de lado no balcão. Saiu da iniciativa privada para o poder público ao assumir como secretário de Estado da Agricultura e da Pesca. Nessa entrevista exclusiva concedida à reportagem da Associação de Diários do Interior (ADI-SC), ele fala das notícias preocupantes que afetam setores de grande importância para Santa Catarina – aves, suínos e leite. E também expõe um pouco do que pretende fazer à frente da Secretaria. “Tecnologia, metodologia de trabalho e gestão. Não adianta trazer a tecnologia e isso não ser usado para melhorar a rentabilidade”, resume. E nisso entram as empresas ligadas à pasta – Epagri, Cidasc e Ceasa – que, garante, serão mantidas.

 

 

[PeloEstado]  – Nesse começo de ano Santa Catarina recebeu notícias que afetam segmentos importantes, de aves, leite e suínos.

Ricardo de Gouvêa – Falando em aves, tivemos a suspensão da Arábia Saudita. Existem dois fatores fortes: a Arábia Saudita não está mais aceitando abate com atordoamento, com dessensibilização antes do rito religioso que eles fazem. Há mais de 40 anos que isso acontece e agora radicalizaram. Mas o que levou a Arábia Saudita a suspender mesmo foi um levantamento de todas as 137 plantas habilitadas a exportar e nem todas exportavam. Então, tiraram a habilitação da maioria, usando como critério os maiores volumes. Só 25 frigoríficos brasileiros mantiveram a habilitação. Em Santa Catarina, eram 19 plantas habilitadas e só cinco continuaram. Ainda é cedo para dimensionar os efeitos dessa medida, que talvez só sejam percebidos ao final de fevereiro ou março, porque ainda tinha muita coisa sendo carregada. Mas, olhando para outro lado, temos alguns países também muçulmanos e que querem comprar do Brasil, como Egito, Irã.

 

[PE] – Santa Catarina deixou de ser o primeiro produtor e exportador de aves, posição conquistada pelo Paraná? Por quê?

Gouvêa – Pela facilidade na matéria-prima. O Paraná tem uma grande produção e uma política forte de transformação do milho em proteína animal. A prioridade deles não é tanto exportar, como no caso do Centro-Oeste do país. Lá, rodovias, ferrovias, portos, tudo é para isso. Enquanto a cadeia produtiva da proteína animal, que precisa desse insumo, não se organizou tanto. Hoje está disputando esse milho com o exterior.

 

[PE] – Quanto vale o milho exportado in natura e o transformado em proteína animal?

Gouvêa – Não sei dizer. Mas uma diferença evidente é que você tem mão de obra e maquinário para produzir o milho. Quando ele sai in natura, para aí o processo produtivo. Quando é transformado em proteína animal, gera emprego na agroindústria, para o produtor rural, para o transportador do milho, da ração e do produto acabado. Gira toda uma cadeia produtiva com milhares de empregos, gera arrecadação para o Estado. Quando se exporta, essa cadeia não funciona.

 

[PE] – Como reverter isso?

Gouvêa – Acho que a questão milho precisa ser discutida como uma política nacional. Tem que haver um olhar mais estrutural e a situação deveria ser discutida em curto, médio e longo prazo. No curto prazo, já que a concentração da proteína animal está nos estados do Sul, deveria se pensar em reduzir o custo da logística, subsidiando o frete ou algo assim. No médio prazo, reestruturar as rodovias, de forma que diminua o custo do frete para não ficar eternamente com o subsídio. Também no médio prazo, facilitar a importação de milho da Argentina e do Paraguai. São 600, 700 quilômetros de distância, bem menos do que os 2 mil quilômetros até o Centro do país. No longo prazo, não tenha dúvida de que vai ter que pensar em ferrovia.

 

[PE] – Adianta insistir? São tantos anos tentando…

Gouvêa – A ferrovia é algo que tem que passar por uma definição política. Pode sair, mas na medida em que se pense em concessão. Se o governo for se meter a fazer ferrovia, esquece. Mas se abrir uma licitação para o projeto e depois para a execução, pode dar certo. Em Santa Catarina podemos pensar na Ferrovia do Frango, Leste/Oeste. Ajuda, mas é muito pontual. Onde está o centro de produção de grãos? No Centro-Oeste. E o centro de produção de proteína animal? No Sul. Isso que o governo federal precisa fazer: olhar o Brasil como um todo.

 

Foto: Ana Ceron/SAR

 

[PE] – Santa Catarina vive de fato a ameaça de fuga de agroindústria e perda de empregos?

Gouvêa – Alguns duvidam que uma agroindústria possa sair. Eu, que vim do setor, não duvido. Mas não é num passe de mágica. Alguns fatores têm que ser levados em conta. Hoje, essas empresas grandes, globalizadas, têm um controle muito grande. Sabem se naquele estado ou região a competitividade cai. Santa Catarina não gera tanta segurança. Dependemos do milho e qualquer mudança no preço do milho, sobe junto o frete e tira a competitividade da nossa indústria. Temos que pensar em manter a competitividade com alguns incentivos fiscais. É preciso explicar um pouco mais isso para o governo, que precisa fazer uma redução dos incentivos, por força de lei, mas usar como ferramenta para manter a competitividade.

 

[PE] – Leite foi a segunda notícia ruim do ano. O que aconteceu?

Gouvêa – Não foi da noite para o dia. O Guedes (Paulo, ministro da Economia) fez um estudo, a que não tive acesso, que apontou que a tarifa antidumping tem muitos anos, mas nunca funcionou porque nunca houve um volume de produção de leite da União Europeia ou da Nova Zelândia para cá. E já foi o tempo em que o Brasil importava leite. Hoje temos volume até para exportar. Mas falta uma estruturação da cadeia produtiva, que dê não só volume e qualidade, mas rentabilidade, produção constante do volume, para que se possa pensar em atingir alguns mercados internacionais. A hora em que se conseguir fazer isso, reverteremos a situação.

 

[PE] – Suínos. Ainda somos os primeiros no país.

Gouvêa – Falou bem. “Ainda”. Se continuar nesse ritmo, o Paraná passa também, em quatro ou cinco anos. Eles cresceram principalmente pelas cooperativas. Em 2017 e 2018 tivemos maior dificuldade pela suspensão da Rússia, que ficou o ano passado inteiro sem comprar nada. Era o grande volume. Mas nós conseguimos crescer quase na mesma proporção para China, Hong-Kong, Chile. Só não equilibrou pelo valor, porque são produtos diferentes. Para a Rússia vai mais carcaça; para a China, mais miúdos. Não vai tanto produto com valor agregado. Ainda exportamos cortes, mas em volumes menores. Mas no último anúncio a Rússia acenou com a reabertura de quatro plantas no Rio Grande do Sul. Talvez liberem alguma coisa no Brasil, mas de forma controlada, para proteger o mercado deles. A China teve um problema sanitário grande nos últimos dias e talvez possa melhorar o espaço para os importados do Brasil.

 

[PE] – O que o senhor já tem e metas para a Secretaria?

Gouvêa – Começar um trabalho focando nas cadeias produtivas, como a do leite. E a do arroz, que tem boa qualidade e produtividade, mas o preço não está competitivo porque compete com o arroz da Argentina e até da Tailândia. Já as cadeias de aves e suínos trabalham no sistema de integração ou de cooperativa. Existem planejamentos e garantias. E a indústria controla muito a qualidade, evitando uso de medicamentos proibidos e fraudes. Nosso foco para aves e suínos é garantir a sanidade e a competitividade, para que as indústrias se mantenham aqui.

 

[PE] – Isso envolve tecnologia.

Gouvêa – Tecnologia, metodologia de trabalho e gestão. Não adianta trazer a tecnologia e isso não ser usado para melhorar a rentabilidade. Aí entram a Epagri, com pesquisa e assistência, a Cidasc, com a parte sanitária, e a Ceasa, como um gestor de comercialização de produtos do pequeno produtor. Isso tem que ser discutido um pouco mais para ver se é viável. Mas todas as empresas vão permanecer. A Epagri é uma grande empresa, com excelentes profissionais e excelentes resultados. Só vamos corrigir o foco. A pesquisa estará mais atrelada à assistência, com o objetivo da competitividade. Essas são nossas grandes diretrizes. Em cima disso vamos montar um planejamento estratégico da Secretaria com as empresas vinculadas. A principal preocupação é que as nossas empresas deixem de ter papel político para terem papel exclusivamente técnico.

 

[PE] – E para a Pesca, que compõe a Secretaria, prevê algo?

Gouvêa – Conversei com todos os diferentes atores – pesca artesanal, pesca industrial, maricultura, piscicultura… Também aqui temos que pensar na cadeia produtiva. São muitas regras normativas! É necessário incentivar a piscicultura de água doce, que pode ajudar muitos os donos de pequenas propriedades. E a maricultura. Podemos pensar em tudo isso e transformar Santa Catarina em um efetivo produtor para o mercado interno e para a exportação.