25/02/2019 – Ano após ano o Executivo estadual vem declarando dificuldades para investir. Os recursos estão escassos. Há margem para endividamento, mas não para o pagamento de possíveis novos empréstimos. O limite do peso da folha dos servidores (incluindo inativos) sobre a Receita Corrente Líquida (RCL) já está em sinal vermelho. E, mais recentemente, o próprio governador Carlos Moisés anunciou que há risco de atraso de pagamento de salários dos servidores públicos estaduais e que sequer está sendo feita a poupança mensal que servirá para o 13º salário dos empregados do Estado. Ainda assim, o mesmo Executivo que anda de pires na mão em Brasília e não cansa de repetir todos esses argumentos, está pagando mais aos que já recebiam os salários mais altos, o teto salarial do Estado.
Os valores são consideráveis. São R$ 6 milhões mensais ou R$ 72 milhões anuais a menos no já combalido caixa estadual. Se nada mudar, para mais ou para menos, ao final dos quatro anos da atual gestão esse valor chegará aos R$ 288 milhões. O presente dado a alguns servidores do Estado resulta do efeito cascata do reajuste de 16,38% dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com a justificativa de ser somente uma “recomposição de perdas inflacionárias”. Com isso, também em Santa Catarina o máximo que um servidor pode receber subiu. Como lá o teto ficou em R$ 39,2 mil e aqui o limite é de até 90,25% do máximo do STF, o teto do funcionalismo público estadual catarinense passou a R$ 35.462,22.
Em resposta a questionamentos sobre a decisão de pagar o teto, a Secretaria da Administração explicou, por escrito, que antes do aumento do STF 900 servidores estavam com “bloqueio na remuneração”, uma vez que seus salários já haviam batido no teto. Mas aí o teto se abriu e todos tiveram os valores atualizados. A justificativa aqui é, portanto, consequência daquela dada pelos ministros do Supremo: “Trata- se de um desbloqueio do teto salarial e não reajuste remuneratório”.
O levantamento feito em parceria por três jornalistas – Andréa Leonora (ADI-SC), Douglas Rossi (Adjori-SC) e Altair Magagnin – durante a última semana buscou respostas não só da Secretaria da Administração, mas também da Fazenda estadual e da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SC). Isso porque a decisão de mandar ou deixar pagar o teto salarial em um cenário financeiro tão negativo como se vem propalando levantou questionamentos.
Algumas dúvidas
A primeira é: por quê?
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tem três limites – alerta, de 44,1%, prudencial, de 46,55%, e o teto máximo, de 49%. Conforme matéria publicada em novembro pela Agência Brasil, órgão de comunicação federal, quando se trata do gasto com a folha de todos os poderes o limite é de 60%, mas Santa Catarina chegou aos 60,57%. A Secretaria de Estado da Fazenda informou, também por escrito, que no que se refere apenas aos salários do Executivo, o percentual foi de 48,76% sobre a RCL em 2018.
Segundo informação da própria Fazenda, mesmo com o impacto de R$ 6 milhões ao mês após o ajuste, a despesa com a folha do Executivo permanece abaixo do limite da LRF. Entretanto, ainda mais perigosamente próximo do teto máximo. Sendo assim, não teria sido mais correto evitar esse “desbloqueio do teto salarial”?
A segunda é: por que foi aplicado o índice total permitido?
O Estado de São Paulo, por exemplo, não aplicou todo o percentual. Na Lei publicada em 17 de janeiro de 2019, o governador daquele estado optou por limitar o teto dos servidores a pouco mais de R$ 23 mil, ou seja, um teto pelo menos R$ 12 mil abaixo do praticado aqui.
Não é só. O Artigo 23 da Constituição do Estado de Santa Catarina limita o teto do funcionalismo ao percentual de 90,25% daquele pago no STF. Ou seja, autoriza, mas não obriga a chegar aos 90,25%.
Soma-se aí outra questão. A definição do valor de um salário ou de qualquer alteração sobre este valor depende de lei específica, conforme previsto na Constituição Federal (Artigo 37). Quem faz e/ou aprova as leis é o Legislativo, mas este assunto não passou pela Assembleia.
Além disso, o mesmo artigo da Constituição fala em “totalidade dos servidores” e em “isonomia sobre os índices revisionais” quando o assunto é revisão de remuneração. Mas o reajuste consequente do desbloqueio favoreceu somente 900 servidores estaduais num universo de 123.962 servidores (ativos, inativos e empregados com PDI/PDVI – janeiro de 2019).
E não ficou claro nas respostas enviadas pelas assessorias de imprensa que somente 900 ganhavam/ganham o teto do funcionalismo na estrutura do Executivo catarinense. Alguns teriam sido favorecidos com o desbloqueio e outros não?
A Secretaria da Administração defende que foi respeitada a isonomia. E insiste que não houve um reajuste: “O princípio da isonomia foi mantido. Nesse caso, não houve um reajuste, mas sim uma atualização do teto, conforme prevê a Constituição”. Aliás, é esta a mesma justificativa dada para o assunto não ter passado pela Assembleia Legislativa. Em que pese o estado crítico das finanças estaduais, a aplicação do índice ao teto foi automática.
Documento obtido pela reportagem (na foto acima, reproduzido sem os nomes), com os nomes, cargos e valore brutos pagos a 222 servidores, tem 207 Auditores Fiscais da Receita Estadual, quatro Analistas da Receita Estadual (níveis II e III), três professores universitários da Udesc e três Técnicos em Controle Interno, um Procurador Administrativo, um Auditor Interno, um diretor da Secretaria da Fazenda, um Agente Administrativo Auxiliar e um Analista Técnico Administrativo.
A terceira é: por que não houve consulta?
Mesmo com tantas implicações e determinações legais, e, pior, diante do risco de o Estado ultrapassar o limite imposto pela LRF para o peso da folha de pagamento sobre a Receita, a Procuradoria Geral sequer foi consultada se o desbloqueio do teto salarial deveria ou não ser autorizado. Se as palavras de ordem do governo catarinense têm sido “crise”, “cortes”, “calamidade financeira” e assim por diante, não seria lógico basear legalmente uma negativa à aplicação do efeito cascata no teto salarial dos servidores estaduais?
Em resposta por meio da Assessoria de Imprensa, veio a informação de que o assunto não chegou à PGE. Sem isso, o índice foi aplicado e pronto. Simples assim.
Há ainda outras dúvidas
E estas talvez possam ser esclarecidas ao longo da semana que começa. Uma delas é qual o aprofundamento do fosso entre o maior e o menor salário pago pelo Estado? E, já que existem recursos para o pagamento do teto para alguns poucos, por que esses mesmos recursos, de R$ 72 milhões ao ano, não foram diluídos entre todos os níveis das diversas categorias? Podem parecer perguntas simplistas para uma estrutura tão complexa quanto o governo do Estado. Simplistas ou não, merecem respostas.
Com a palavra, a PGE, a Assembleia Legislativa e, é claro, o governo do Estado.
Por Andréa Leonora para CNR-SC/SCPortais/ADI-SC