Fábio Bispo e Nícolas Horácio
As administrações de Joinville e Itajaí, as duas com maior registro de mortes por coronavírus em Santa Catarina, têm adotado medidas bastante diferentes no enfrentamento da pandemia, no entanto, os resultados ainda não refletem em queda no número de novos casos ou de mortes. Enquanto Udo Döller (MDB) chegou a defender a chamada imunidade de rebanho e o retorno do transporte público, Volnei Morastoni (MDB) tem apostado nas ditas receitas milagrosas com tratamentos experimentais e sem comprovações científicas de eficácia. Os dois municípios são os únicos que ultrapassaram a marca de 100 mortes por covid-19 no estado.
Em Itajaí, onde ivermectina, azitromicina e cânfora são usados para tratar pacientes do novo coronavírus, Morastoni – que também é médico pediatra – anunciou em uma live no Facebook, na terça-feira, 3, mais um tratamento alternativo: a ozonioterapia com aplicação retal. O município será o primeiro no país a realizar tal experimento em nível ambulatorial.
A técnica não é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, que só permite aplicação em pacientes em caráter de experimento. A Associação Catarinense de Medicina manifestou que a maneira como o município pretende utilizar o remédio não seria a mais indicada para fins de pesquisa. O Ministério Público, por sua vez, cobrou respostas sobre a forma como o tratamento será ofertado na cidade.
Na terça-feira, 4, Joinville chegou a 138 mortes com quase 8 mil casos confirmados. Em maio, Udo Döller disse que “é essencial que esse vírus alcance a população como um todo para que [se crie] anticorpos”. A cidade está com 89% dos leitos ocupados e, desde 20 de julho, por força de um decreto estadual, o transporte público foi suspenso. O decreto municipal, válido até domingo, 9, mantém o serviço impedido de operar.
Agora, a prefeitura está buscando ajuda do governo catarinense para ampliar a oferta de leitos e estuda a possibilidade de comprar locais para internação na rede privada.
“Se na segunda-feira o cenário for o mesmo de hoje, a tendência é que sejam mantidas medidas, como a restrição do transporte público, a limitação do acesso das pessoas no comércio e o funcionamento dos bares até as 20h nos dias de semana”, informou a prefeitura de Joinville.
Itajaí soma 105 mortes e 3.855 infectados. Há um mês a cidade tinha 58 mortes, enquanto Joinville registrava 68. Nas duas cidades, os óbitos praticamente dobraram em um mês.
Para o epidemiologista e professor da UFSC, Lucio Botelho, há, sim, explicações para o número elevado de óbitos nas duas cidades: “Joinville tem uma aglomeração industrial gigantesca. Pode parar o transporte público, mas as pessoas são obrigadas a trabalhar. Quem não usa o carro, acaba usando um meio de transporte menos fiscalizado e com maior chance de transmissibilidade. Joinville, para mim, tem números altos por causa do modo de produção, das formas de deslocamento e pelo conjunto muito grande de trabalhadores da cidade”, explica Botelho.
Santa Catarina enfrenta seu pior momento na pandemia. Em 17 de março o estado foi um dos primeiros a decretar isolamento social em todo o território. Em 1º de junho, o governador Carlos Moisés (PSL) delegou aos municípios decisão para adotarem iniciativas isoladas de flexibilização. Uma das primeiras decisões nas principais cidades, incluindo Joinville, foi decretar o retorno do transporte coletivo. Na sequência, o governo do Estado anunciou o monitoramento de forma regionalizada, o que deveria embasar as decisões das administrações em conjunto.
Mas a autonomia tem impedido a ação em bloco, por regiões, como ocorreu recentemente no Sul do Estado e na Grande Florianópolis, quando uma prefeitura decidiu restringir mais o isolamento e a vizinha não acompanhou. Na semana passada, o Ministério Público ingressou com ação cobrando a retomada das decisões regionalizadas pelo governo do Estado.
As mortes no estado aumentam de forma exponencial. No boletim divulgado em 5 de julho, praticamente um mês atrás, eram contabilizados 393 óbitos. Em 4 de agosto esse dado chegou a 1.235 registros, quase o triplo em 30 dias. O estado tem 92.157 casos de pessoas infectadas.
Já os dados atualizados do Portal de Dados Abertos do Governo do Estado aponta que em 5 de julho eram 607 mortos. O painel atualiza a tabela de casos de mortos, internados e infectados diariamente, inclusive atualizando dados passados.
Voluntários da ozonioterapia terão que consentir experimento
Embora tenha recebido críticas, virado chacota nas redes sociais – por causa da aplicação retal – e recebido a orientação do Ministério Público de Santa Catarina para não distribuir o tratamento com ozônio para a população, a prefeitura de Itajaí pretende seguir com a intenção de participar do estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia para avaliar o impacto no tratamento de pacientes com covid-19. O município aguarda apenas os últimos ajustes para começar o procedimento.
A intenção é abrir um laboratório para aplicação do ozônio nos pacientes. Segundo a prefeitura, toda documentação para entrar em um protocolo nacional de pesquisa foi enviada e o tratamento consiste em uma aplicação do gás ozônio pelo ânus” É uma aplicação simples, rápida, de dois minutos, com um cateter fininho e isso dá um resultado excelente”, disse.
Os pacientes que aceitarem fazer parte do experimento terão que assinar um termo e serão submetidos de forma randômica ao tratamento: metade vai receber ozônio e outra metade não.
“A gente tem trabalhado com a perspectiva de trabalho experimental em outras cidades que tiverem interesse. Isso não apenas em órgãos públicos, mas também em clínicas privadas, uma vez que o trabalho experimental está autorizado pelo CFM e CONEP. Por enquanto o contato está sendo aberto com Itajaí”, informa o médico cardiologista Arnoldo Souza, presidente da Associação Brasileira de Ozonioterapia (ABOZ).
Na visão de Botelho, é justamente essa grande oferta de soluções que está trazendo a falsa impressão de imunidade na cidade do Vale. “Em Itajaí, no meu modo de ver, acontece um erro brutal de gestão da pandemia. Foi amplamente divulgado que cânfora, ivermectina e agora o ozônio são protetores. A população se sentiu protegida. Foi passada a mensagem de que, tomando medicação em massa, a população ficaria imune. Os frutos estão sendo colhidos”, destaca Botelho.
Na noite de terça-feira, o prefeito Volnei Morastoni divulgou um vídeo comentando o assunto.
Contaminação em crianças aumentou mais de 200%, aponta estudo da UFSC
Toda segunda-feira, o Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat), da UFSC, divulga um boletim analisando a situação da pandemia no estado. No 13º boletim, divulgado na última segunda-feira, 3, um novo fato chamou a atenção dos pesquisadores do NECAT: o crescimento do número de casos nas crianças. Aumento de casos entre crianças e adolescentes subiu mais de 20o%.
“Essa é uma situação nova. Em maio, tínhamos 23 crianças contaminadas, em junho 240, no início de julho em torno de 700 casos e no final de julho 2.250 crianças contaminadas, uma taxa de crescimento quase maior que a dos idosos. Por mais que o número absoluto não seja tão significante, o fato é que a taxa de crescimento de contaminação das crianças é muito alto em julho”, aponta o professor Lauro Mattei, que coordena o núcleo.
De acordo com Mattei, a divisão de regiões feita no Painel da Secretaria de Saúde do coronavírus é confusa e imprecisa e que, por isso, os boletins do Necat consideram a divisão do IBGE de seis mesorregiões e 20 microrregiões.
“A Secretaria de Saúde tem uma divisão geográfica muito esquisita. Então a gente tabula de novo todos os dados dos 295 municípios, semanalmente. Dá trabalho, mas em compensação, temos muito mais qualidade do ponto de vista das análises e enxergamos melhor a dinâmica do coronavírus em Santa Catarina”, conta Lauro Mattei.
Ele cita como exemplo a confirmação de situação gravíssima na Grande Florianópolis, porém, diz que a região se divide em três microrregiões, cada uma com um quadro diferente.
“A Secretaria aponta tudo como situação grave, mas nossas escalas mostram três situações diferentes: a microrregião de Florianópolis, Palhoça, São José e Biguaçu realmente tem situação gravíssima. A micro de Tijucas é vermelha, não é tão grave e não tem um indicador tão importante. Já a microrregião do tabuleiro, que abrange Anitápolis e Rancho Queimado, por exemplo, não tem quase nada”, defende Mattei.
Considerando o quadro atual, na visão do epidemiologista Lucio Botelho, caso medidas mais restritivas não sejam adotadas onde for necessário, a pandemia pode se arrastar até o Natal de 2020.
“Ou a gente passa a ter uma visão governamental forte, uma condução segura, dizendo a direção é essa aqui, ou vamos longe e até o Papai Noel será virtual neste ano”, pondera o epidemiologista.
Sobre os exemplos positivos, Botelho destaca o trabalho feito em Urupema, onde foram feitas barreiras na entrada e saída da cidade e testes em boa parte da população. Também menciona o trabalho em Florianópolis até o último mês. No entanto, o epidemiologista considera que a gestão da pandemia desandou na Capital, em parte, por um motivo bem comum nas outras cidades: gestores estão com um olho no enfrentamento a pandemia e outro na reeleição.
Live em que o prefeito anuncia o início do tratamento com ozônio