A construção de uma narrativa: conspiração, Maria da Penha e democracia rondam o impeachment de Moisés

Fábio Bispo, Pelo Estado

Setenta por cento das urnas para estar aqui, nesta situação. O processo de impeachment do governador Carlos Moisés (PSL) promete se desdobrar em uma disputa de narrativas jurídicas e políticas. No centro do debate está o contestado reajuste no salário dos procuradores do Estado, que passou de R$ 30 mil para R$ 35 mil e representa um gasto mensal de R$ 767 mil a partir de outubro de 2019. No contexto mais amplo, uma disputa política que colocou o político novato e inexperiente na mira das principais forças políticas que sempre estiveram no comando.

A tese do governo é provar que o reajuste não foi fruto de ilegalidade e estaria respaldado pela Constituição do Estado e pelos próprios atos da Alesc, que aplicou o mesmo aumento aos seus procuradores.

O autor da ação, o defensor público Ralf Zimer Junior, tenta mostrar que por se tratar de órgão do poder Executivo o reajuste não poderia ocorrer sem autorização legislativa, e que o próprio governador teria dado anuência ao ato, assim como a vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) e o secretário Jorge Tasca, da Administração.

Moisés tem a seu favor os próprios procuradores do Estado, beneficiados com o reajuste e que estão empenhados na tarefa de desconstruir a denúncia. “Tem uma certa complexidade no assunto e os temas para impeachment são temas difíceis, justamente para se criar as próprias narrativas”, afirma Sergio Laguna Pereira, procurador-geral Adjunto Para Assuntos Jurídicos da PGE.

Laguna passa a mensagem de que o reajustes dos procuradores é inquestionável pelo ponto de vista da fundamentação jurídica que tenta o autor do impeachment: “Vemos isso como uma agressão às instituições e ao voto popular. No nosso caso como instituição vemos como agressão a uma carreira”, emenda alegando que o reajuste dos procuradores segue o efeito cascata dos ministros do STF, que também influencia nos rendimentos dos procuradores de Justiça, do MP; dos conselheiros do TCE e procuradores de Contas; e nos procuradores da Alesc: “Todos tiveram os reajustes!”, reclama.

Na sessão legislativa da última terça-feira, 4, a deputada Paulinha (PDT), líder do governo, ensaiou um choro ao dizer que o governador poderá ser cassado por 40 deputados. A deputada disse que ainda terá a oportunidade de “discorrer sobre a peça de impeachment”, mas no dia ocupou seu tempo de bancada para questionar o autor do pedido por outras razões: a suposta condenação por violência doméstica. “O sangue de mulher que corre e pulsa em minhas veias não vai permitir que essa casa se olvide que o denunciante é um agressor de mulher”, esbravejou,  solitária, a deputada.

O deputado Coronel Mocelin (PSL) até saiu em defesa de Moisés: “O governador não tem participação nisso”, batendo na mesma tecla dos procuradores, de que não há fundamentação jurídica.

:.Advogado de Carlos Moisés questiona legitimidade do autor de pedido de impeachment 

Paulinha foi rebatida por Jessé (PSL) —que embolou mais ainda a construção de narrativas—, defendeu a denúncia de Ralf e disse que ele não pode ser questionado “porque cometeu um outro erro na vida dele”. Jessé comparou o processo ao da ex-presidente Dilma, sugerindo que o crime de responsabilidade pelo reajuste dos procuradores teria sido só uma oportunidade: “Porque a Dilma caiu? Por causa da pedalada? Não. Porque era um partido corrupto que vinha de um histórico de corrupção, que tinha ligação com o Foro de São Paulo, que tinha um projeto socialista”.

Kennedy Nunes (PSD), que além de deputado é jornalista, preferiu fazer contas: “Nós somos 4 milhões e meio de eleitores”, disse após contabilizar os votos de todos os deputados e das respectivas legendas na eleição de 2018. O governador Moisés fez dois milhões e meio de votos no segundo turno. Nunes citou a figura do presidente Julio Garcia (PSD) mais de uma vez para dizer que a representação aceita é diferente daquela arquivada em janeiro, protocolada pelo mesmos autor do processo que agora é analisado.

O fato é que uma vez consumada a cassação após o término de 2020, o novo governador catarinense será escolhido por um colégio eleitoral, formado por deputados. Se alcançada a etapa do afastamento para o julgamento do governo e da vice, o primeiro na linha sucessória é o presidente Julio Garcia.

Mas se a peça de impeachment é tão frágil porque o governo não garante sua tese através de uma medida judicial?, perguntei ao procurador Laguna.

“O caso já está judicializado e no caso específico do governador é a defesa dele que deve fazer esse pedido. Eu acredito muito provavelmente que fará”, respondeu. Segundo Laguna, a defesa dos procuradores da tese que favorece o governador é uma “defesa da carreira”. Outros servidores da PGE  têm manifestado publicamente o mesmo posicionamento.

 

*A Justiça suspendeu processo de impeachment na noite de quarta-feira, 5, após a defesa de Carlos Moisés questionar o rito do processo da Alesc —a decisão não fala sobre o mérito. Para os advogados, da forma como foi aprovado, o processo de impeachment seria julgado “sem que o governador do Estado tenha exercido ampla defesa.